quinta-feira, 26 de abril de 2012

BONECO DE NEVE

                        

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A neve caía branquinha e todos se sentiam felizes. Cobria toda a cidade. As crianças brincavam, mas algumas pelo senso de proteção de seus pais, que visavam proteger a saúde de seus filhos, apenas observavam pela janela. O mais velho deu a ideia de construir um boneco de neve. 

Logo, a criançada começou a construção, com baldes, pazinhas seguia feliz a empreitada. A criança mais velha somente moldava, organizava seus companheiros conforme a idade. Construiu-se a base. Reuniram-se todos e ficaram a contemplar carinhosamente a criação. Descansaram. Faziam planos para o dia seguinte. Cada um viria com uma peça de roupa para vestir o boneco: um traria cachecol, outro traria um chapéu velho que o pai não mais usava, outro tampinha de garrafa descartável para fazer os olhos e botões da blusa; enfim cada um procuraria o que trazer para deixá-lo com uma boa aparência. 

A noite cai. A criançada procurou dormir cedo para levantar mais cedo ainda e continuar a construção. Cada uma delas possuía uma paz e satisfação por participar da criação de tal criaturinha.

As portas se abrem. A neve ainda estava muito espessa e o frio era muito intenso. Baldinhos, pazinhas se unem novamente. Continuam seus ofícios. A segunda parte concluía-se. A cabeça já estava moldada. Três partes unidas em uma só. A menorzinha questionava como se colocaria o coração no boneco, pois ele deveria ser capaz de amar seus amiguinhos, pois a sua mãe lhe falou que o amor vem do coração, e é ele que nos faz ser capaz de amar... Os braços de galhos eram como se tivessem dedos nas pontas. Os olhos de tampinhas de garrafas descartáveis eram azuis. O chapéu velho trazido pelo garoto ruivo era na verdade uma cartola velha, mas deixou o boneco como um aspecto de cavalheiro. O cachecol e os botões foram engenhosamente dispostos. O nariz teve que ser fabricado. Um pedaço de papel vermelho feito cone deu um ar de gripado ao boneco. A boca foi um desafio ao grupo. A menorzinha fez cara feia da expressão infeliz do “boeco”. Não queria ela um risco. Queria uma forma de uma metade de lua. Ele deveria ter cara de feliz. Em um zape, as crianças concluíram. Houve uma grande comemoração. Os gritos de alegria se sucediam. Era para elas um dos dias mais felizes de suas vidas. 

A escuridão caiu. Eles se recolheram, meio que a contragosto. Nas janelas, todas vigiavam o boneco, como se alguém pudesse levá-lo dali. Com certeza todos sonhariam com o resultado do suor de seus rostos.

A solidão da escuridão deu a uma fadinha que passava por ali a ideia de dar vida ao boneco. Ela perguntou a ele qual seria seu desejo, ele respondeu que gostaria de subir o monte mais alto daquela região e ver toda a cidade e o vale onde ela se localizava, com toda sua natureza exuberante e os mais longínquos lugares em que pudesse avistar. 

E como num passe de mágica o boneco já podia andar. Iniciou sua subida, mas antes se despediu da fada, que se perguntava o porquê dele não querer ser um garoto... A nevasca que caía não fazia com que nosso herói desistisse de sua jornada. 

Em poucas horas já estava no mais alto de um monte que naquela região era o maior. De lá de cima, admirou as luzes que brilhavam lá embaixo. Lembrou-se das crianças e seus empenhos para formá-lo o que era agora. Desejou em sua curta vida de boneco ser uma gigantesca bola de neve. Pensou em rolar o monte ganhando assim tamanho e força. Novamente em seus ouvidos ecoaram os gritos repetitivos da molecada. Pensou que se de lá de cima rolasse possivelmente causaria uma avalanche e um imenso estrago nas suas casas que no vale estavam erigidas. Sentia ainda pulsar em seu peito um coração imaginário que a menorzinha o criara. Batia assim uma saudade do chão que o acolhera e decidiu-se eternizar pela alegria oferecida às crianças. 

Resolveu voltar ao seu lugar. Na metade do caminho, um lobo Guará que o acompanhava sem ser percebido o questionou por que não descia rolando, iria mais rápido. Justificou o boneco que dessa forma era a correta, pois se rolasse a muitos machucaria; principalmente aqueles que dedicaram muito a ele. 

Em pouco tempo este serzinho absorveu o que de melhor havia nas pessoas: a preocupação com aqueles que dedicavam pelo menos um pouco de suas vidas aos outros, sorrisos, a criatividade, a união, a pureza, a malícia ingênua, a preocupação com o semelhante; enfim ele conheceu a pureza do coração das crianças. 

Chega novamente àquele lugar a que reconheceu como sua casa. Durou poucos dias, pois logo chegou a primavera e com ela os primeiros raios de sol. Imaginou que sua missão de boneco estava cumprida e amanhã faria parte das águas que subiriam ao céu e de lá retornaria alegremente em um novo ofício - o de água - levando vida a todos os lugares até chegar novamente ao imenso e indescritível mar.

 

Fonte Bibliográfica: 

1) Conto Revisto pelo autor para Publicação no Blog, conto original em:

LIMA, Marcio J. de Lima. Devaneios em Prosa. Guarapuava: UNICENTRO, 2011 (p. 76-83). 

 

2) Publicado no Jornal Correio do Cidadão, em : https://www.correiodocidadao.com.br/noticia/o-boneco-de-neve

 

(*) Fonte da Imagem: http://www.paranaclube.com.br/vnoticias.php?2766

 

4 comentários:

  1. Gostei muito dessa história, trabalhei com meus alunos, em duas escolas de ensino fundamental, percebi o entendimento das crianças pela expressão do desenho, e a conclusão que tiraram ao admirar a atitude do boneco, quando lembrou que tinha coração.

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    1. Olá! Obrigado por suas considerações e por repartir sua experiência conosco, elas são muito importantes para o blog e para o trabalho de quem vem depois e queira fazer um roteiro de trabalho pedagógico em cima do conto, como voce citou. Fique sempre conosco e tudo de bom para você! Um abraço aos seus alunos!

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  2. Respostas
    1. Obrigado Angela pela visita e leitura de meu continho. Um abraço 🙏

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