sábado, 23 de fevereiro de 2013

Um amor em um momento (publicado pela Amazon) - (One Love at a Time (Published by Amazon))


(Título original:

SINESTÉTICA: Um amor em um momento)

Fonte da Imagem: http://textosdekarinamonteiro.blogspot.com.br/2011/12/hoje-luz-da-poesia-brilhou-mais-forte-e.html


A dieta da luz
Era um dia como qualquer um outro na vida de Sinestética. Ela comentava com suas amigas que chegara ao limite do seu peso e que haveria necessidade urgente em começar um regime, precisava manter-se saudável. A amiga mais magra e mais vaidosa, por consequência, comentava que ouvira falar de uma super dieta da luz. Sinestética e Monavir nunca ouviram falar, mas queriam saber como que era essa dieta. A esguia explicava que se ela não estava enganada era uma dieta praticada pela esposa do imperador do Japão ou da China, não tinha muita certeza de qual país ela era. Só lembrava que a mulher ensinou: “era como que colher laranjas em uma árvore imaginária em um dia de sol e pronto”. Era só tomar água e comer luz. Todas riram muito. Despediram-se e cada uma foi para sua casa.
Todas solteironas, todavia, Sinestética era a única que não tivera namorado até agora. Dizia-se feliz como era: solteira e morando sozinha, embora a sua vida fosse uma imensa monotonia.
A noite chegou e os pensamentos voaram. Sinestética decidiu começar a dieta. Aquela noite comeria de tudo. E na manhã seguinte começaria a comentada abstinência de alimentos. Comeu muito. Teve que dormir sentada porque passou mal.

Primeiro dia da Dieta

Chega a manhã. Três grandes copos de água foram seu alimento. E como uma doida varrida começou sua colheita de laranjas imaginárias. Deve ter colhido quase uma caminhão imaginário - pensou. Riu muito. Quase rolou de rir. Sentiu-se feliz. Com a barriga roncando – no entanto – feliz.
Doméstica era sua profissão. Fazia com tanta dedicação seu serviço que ao final do dia tudo parecia que tinha recebido um toque de mágica pelo brilho dos móveis e pelo agradável perfume de limpeza que exalava da casa que cuidava.
Mais uns dois litros de água, tomou no almoço. Precisava se alimentar. E imaginou-se colhendo de novo as imaginárias laranjinhas. Saiu ao quintal e pôs-se a colhê-las. Uma mãozadinha aqui, outra mãozadinha lá e mais uns cem quilos colhidos. Que delícia – delirou ela. A vizinha que estava no sobrado ao lado observava a doméstica pela janela de vidro fumê. Ah mais uma doida fazendo a dieta da luz – afirmou – isso não vai dar certo. Se bem que se essa ficar um ano sem comer não vai dar muita diferença. - Riu maliciosamente a crítica vizinha.
A barriga parecia que tinha um caminhão roncando. Pensou nessa hora em tantas coisas. - Um boi inteiro assando no espeto. - Acho que vai ser pouco. – delirava a caprichosa secretária do lar. Sentou-se um pouquinho, antes de terminar o segundo piso. Olhou uma barra de cereais que trazia na sua mochila. É agora, lá vai ela. Não vai resistir. Seus olhos se arregalaram. Seus lábios desapareceram. Vai comê-los. – Não vou c-o-m-e-r! E realmente não comeu. Pôs-se a trabalhar.
A tarde chegou. Hora de ir para casa. Mais uns quatro litros de água. Saiu na janela e começou a colheita. Só que agora imaginou uvas. Uma colheita de deliciosas uvas. Contava duzentos e três cachos deliciosamente colhidos. Água na boca. Um barulho na barriga. E um turbilhão nos olhos. – Vou me sentar. Pensou “isso passa”. Enfraqueceu-se. Suou um pouco. Suou mais ainda. Quase lavada de suor resolveu tomar banho.
No banho começa a lembrar de tudo que comera até ali. As guloseimas, os bolos, os salgadinhos um mais gostoso do que o outro: coxinha, risólis, pastéis, quibes, e outros... Seus pensamentos em abrupto ímpeto mudam de direção. E o intento cada vez fica mais forte: emagrecer, ficar bela, saudável e quem sabe conseguir um amor – casar.
O banho termina. Ela vai para frente do espelho. Observa-se, admira-se, gosta-se. Nunca se olhara daquele jeito, nunca se gostara tanto. E a pergunta da aflita: - será que já emagreci? – Riu. Comentou: – que precipitada eu sou. Já quero resultado.
As primeiras horas da noite lhe são muito extensas, demoram a passar. Esta sensação lhe era estranha. A fome. A dor no estômago. Os delírios por comida. - Quantas horas demoram esses minutos? – pensou Sinestética. - Eu vou sair para ajudar a passar o tempo mais ligeiro. Talvez eu me esqueça um pouco dessa fome.
A rua estava muito iluminada, pois era noite de lua cheia. Lembrou-se do brilho da luz. Resolveu sentar-se no banco da praça e ficar ali a se alimentar da luz da lua. – Agora vou colher o quê? Já sei vou colher lírios. – As flores naquela noite estavam muito iluminadas. A igreja branquinha parecia que possuía luz própria. Os holofotes iluminavam toda a extensão da praça. Dando impressão de que era dia. Observava as crianças correndo no parquinho, brincando muito. Via a felicidade nelas, seus sorrisos ecoavam e a cada um deles era como se ela se saciasse um pouco mais. Um sorriso da molecada lhe apagava uma lembrança de um salgadinho. Um beijo de um pai ou uma mãe em filho - um tipo de docinho lhe saía da vontade de comer. E isso começava a lhe dar prazer. Os namorados na praça se beijando – davam-lhe a seu paladar o doce do mel, o frescor da menta. E isso lhe deu muito prazer – extasiada - por um minuto ficou atônita. Não entendia bem o que era isso. Mas, gostou. Quando se sentiu realmente alimentada, decidiu caminhar um pouco. Esqueceu de sua colheita. Achou que não precisaria mais se alimentar naquele momento. – Estou cheia! Agora tenho que caminhar pra gastar essas calorias a mais. – balançou a cabeça em sinal de autossarcasmo.
O calor daquela noite lhe dava sede. Resolveu voltar para casa. No caminho tudo lhe era - de certa forma – novo. A maneira como olhava para cada coisa era diferente. Sua vida parecia ter outro sabor. E algo lhe batia no peito galopante, mais intenso – talvez a vida se renovando – filosofava.
Chegou em casa depois de caminhar bastante. Tomou muita água, precisava digerir tudo o que viu-viveu.
Fazia muito tempo que não observava as estrelas. Decidiu sair e louvá-las, decifrá-las. Esta noite elas estavam muito belas, pareciam um shake de escuridão e luz. Alguns minutos observando dava-lhe uma paz sem igual. Sentia que seus horizontes se estendiam para mais longe. Pensou ser um cometa. Viajava por entre estrelas e planetas, mas se emocionou realmente quando passou pela terra e viu um planeta azul com sua grandiosidade e beleza. Pensou em sua perpetuação – pensou eu sua preservação – pensou-se como criação – pensou na paz entre os homens. A viagem terminou. E estava na hora de dormir.
Deitou-se, agradeceu a Deus por mais um dia. E como uma criança que conheceu algo de novo no mundo dormiu como um anjo.

Segundo dia da dieta

O sol brilha. Com uma energia fora do comum, sente-se mais viva do que no dia anterior. A fome já não lhe incomoda. Dirige-se à pia e toma seus dois litros de água. Agora sente que a água tem mais gosto. Delicia-se a cada gole de água tomado. Veste sua roupa. As cores escolhidas por ela deveria naquele dia ser verde e branca. Com esta mistura de cores determinaria que seu dia fosse de paz e esperança. – Paz e esperança. - Riu. Não sabia bem o porquê. Mas deveria ser assim...
Saiu de casa e, antes de iniciar o trabalho resolveu passar na igreja. Teve uma imensa vontade de agradecer a Deus pela manhã, pelo canto dos pássaros, pela noite bem dormida, pela natureza, e por tantas coisas que se fosse agradecer por cada uma perderia a hora do trabalho. Fazia muito tempo que não rezava. Fazia matutinamente o caminho casa-trabalho e trabalho-casa, poucas vezes passava na igreja rezar, a pressa lhe determinava o trajeto – como se tivesse o compromisso de chegar em casa em determinado horário.
Começou a notar as pessoas. Suas expressões avivavam nela sentimento de curiosidade - o que pensava cada uma, suas histórias, seus sofrimentos, suas vitórias...
Em sua frente ia uma moça de vestido azul escuro. Resolveu, como quem não manda em seus atos, conversar com ela. Mas como? – pensou. Simplesmente decidiu. Cumprimentá-la com um alegre bom dia. E assim fez. A moça alegremente retribuiu.
- Que belo dia hein? – falou Sinestética.
- Parece que hoje vai ser de sol. – retribuiu a moça de azul num tom de intimidade.
- Está indo pra que lado? –
- Estou indo para o meu trabalho que fica em frente do cinema. Trabalho em uma livraria. E hoje tem o lançamento de um livro. Preciso arrumar a exposição. O Autor vai estar lá. Tem coquetel e tudo. Se você quiser ir lá será à noite. O escritor dará uma breve palestra de apresentação de seu livro.
- Quem é ele? Qual o nome do livro?
- Trata-se de um escritor novo, ele possui uns oito livros lançados, o nome dele é Maximilliano Di Bruno - é um pseudônimo. O livro é sobre o poder da mente e neurolinguística.
Sinestética riu muito. Pediu desculpas mas falou que não sabia o que era esse negócio de “neuro... neuro...”
- Neurolinguística. – Traduziu a moça. – Eu também não sei muito sobre isso, mas ouvi falar que é algo que ajuda as pessoas a serem mais felizes se entenderem mais. Dizem até que as pessoas podem mudar suas vidas. O livro pelo que ouvi falar tem a ênfase em tornar as pessoas mais confiantes. Dizem que ele ajuda a superar algum de nossos traumas do passado e vivermos melhor.
- Parece muito interessante. Vou fazer o possível para ir.
- Tenho aqui um convite. Você aceita?
- Sim é claro.
As duas se despediram e Sinestética seguiu seu caminho.
A casa em que trabalhava parecia-lhe maior do que os outros dias. Parou em frente e ficou a admirar a sua forma. Era um sobrado em estilo alemão. Havia na frente um bonito jardim. As janelas eram grandes. As cores da pintura eram creme e marrom escuro. Havia no jardim uma estátua de São Francisco de Assis. – História de doação e amor. – Pensou ela. – É tem que ter coragem e muito amor pra fazer o que este homem fez. Desprender-se de todos os bens e viver uma vida de abstinência e doação.
Abriu o portão eletrônico e entrou. Na entrada da casa sentiu uma forte dor na barriga. A fome lhe voltou. A tontura também. Entrou na casa e foi direto para a geladeira. Tomou um gole de água. Melhorou um pouco. Tomou mais água e sentiu-se melhor. Saiu no jardim e abaixou-se tocando em petúnias, sentiu suas folhas, suas flores, e isto a fez melhorar. Voltou para casa. Começou seu trabalho que foi concluído antes do almoço. A hora do almoço - que ela comeria - foi dedicada ao jardim. Regou-o, tirou as daninhas, e passou um inseticida não tóxico para cuidar das pragas. Retornou à estátua de São Francisco tocou-lhe a mão. Admirou os pássaros que faziam seu cortejo e pensou na integração do homem com o animal. Que luz os atraía? Que luz tinha este homem? Sentou-se. Ficou vendo as joaninhas, as abelhas, os beija-flores, as folhagens.
O tempo passou e já alimentada pela natureza sentia-se satisfeita. Com mais força retorna ao trabalho. O dia de trabalho termina. Liga o alarme e segue para sua casa.


A palestra

Chega na sua casa. Checa sua caixa de correios - somente cheia de contas a pagar: água, luz, telefone e crediários. Imagina-se recebendo cartas de amigos, parentes, até de admiradores – quem me dera, secretos; também de valores a serem creditados em minha conta. Gargalhou de sua medíocre condição. – Ah a esperança, florzinha que rego diariamente e que teima em nascer...
Tomou um banho rápido. Tinha que chegar a tempo na palestra. Sentiu-se um pouco fraca. Lembrou-se da janta. A luz já tinha se ido e agora? Somente lhe restava a água. No caminho de casa pegou água mineral de dois litros. Tomou de um gole só mais ou menos um litro e meio. Sentiu o doce da água, também sua salobridade - sentiu um pouquinho de seu caminho, imaginou-a viajando por rios e mares – mas isso foi só em um repente e retomou a sua missão arrumar-se para ir ao evento. Pegou em seu guarda-roupa sua mais bela vestimenta, um conjunto muito bonito de jeans e uma batinha azul-escura com uma plataforma que nunca fora usada, aliás como todo o resto.
- O que será que vai acontecer lá? Nunca ouvi falar nisso. Vou fazer feio... Aliás vou só conhecer melhor sobre isso – na verdade nem estou interessada nesse negócio de neuro... qualquer coisa – vou conhecer pessoas diferentes. Quem sabe...
Sinestética não tinha o interesse por palestras. Sempre evitava multidões. Seu interesse no máximo era ir fazer visitas em pizzarias, lanchonetes, em petiscarias e na casa de suas amigas Monavir e Tiseta. Sentia-se estranha. Sentia algumas vontades novas. Amava ultimamente as leituras fúteis, mas por alguns instantes pensava nos clássicos, em alguns problemas do homem. O ócio na maior parte do seu tempo era seu amigo e a tevê sua rede para embalá-la ao sono dos finais de semana e às noites. Agora, sua vida dava uma guinada, se via toda arrumada para um lançamento de um livro nem sabia de quem, nem sabia para quem, nem sabia por quê. E, quem diria? Toda arrumada, mais bela do que nunca.
Com o convite em mãos chegou em um hotel muito elegante no centro da cidade. No hall a nova amiga estava dando boas vindas aos presentes. Ela foi ficando por ali mesmo. – Já chegou muita gente? – Você é a primeira. Riu discretamente a amiga. – Nem o escritor chegou. Prometeu que estaria aqui na porta. A propósito me chamo Durvalina, pode me chamar de Dorva. Minutos depois começam a chegar os convidados. Parece que ficaram na esquina amontoados combinando em chegarem juntos. Também chegou o escritor. Cumprimentou-as com um largo sorriso. – Essas são minhas fiéis escudeiras? Brincou Maximilliano. Dorva cumprimentou, como se estivesse em êxtase, um mega star. – Nos falamos a maior parte do tempo só por telefone, precisamos nos ver mais. Joseph está lá em cima. Ele dará as boas-vindas às pessoas na sala de palestras. Já está tudo arrumado. O coquetel ficará a cargo do hotel. Tudo em ordem. – Agradeceu exaustivamente Maxi. – Era como queria ser chamado.
O olhar de Maxi e Sinestética se cruzaram de forma meiga e verdadeira.
- Essa sua amiga é?
- Sinestética, muito prazer. – A esta altura Siné – era como queria ser chamada ali pelo menos – estava muito à vontade ajudando Dorva que entre um boa noite aos convidados e uma palavra com Maxi organizavam a recepção e davam um tom intimista ao lançamento – o que era elogiado pela imprensa ali presente bem como por alguns críticos de plantão que taxavam o comportamento do autor de acordo com a linha de pensamento adotado em seus livros: - a valorização do ser pelo ser. Sem distinção - como se fosse um serviçal que de fato o era - resolveu não vender ali nem um de seus livros – o que era feito por Joseph lá em cima.
- Não se preocupem autografo depois os livros. – Tranquilizou o simpático escritor.
A recepção foi tranquila. As pessoas estavam à vontade. A amizade de Dorva e Siné começou a se desenhar.



O Triângulo

Siné percebeu que Dorva olhava cobiçosamente Maxi. Ele com olhar fugidio desviava a admiradora, voltando-se para Siné. Tudo se apagava ao seu redor como se aquilo não estivesse acontecendo a ela como se as pessoas não estivessem ali – só enxergava aquele que em um instante roubou seus sentimentos – amor à primeira vista - pensou.
Dorva percebeu que havia um clima romântico entre os dois. Um leve toque na mão quase que imperceptível entre os dois selou tal desconfiança.
- Ah que bela amiga esta. – Ruminava Dorva.
Todavia, resolveu manter-se discreta. Morria ali – em seus pensamentos medíocres - a possibilidade de uma amizade verdadeira. Mas quem realmente saberia o destino desta amizade?
- Dorva passou a observar Siné. Seus gestos suaves, sua profundidade de pensamento – embora não fosse de falar muito – era preciso – falava com veemência e sabedoria. A dor veio-lhe em segundos ao seu peito. - A ladra de coração – pensou.
- Quem é esta mulher misteriosa? - Respirava Maxi. O acontecimento já lhe rendera a oportunidade de conhecer aquela bela moça que exalava um perfume de rosas. Seus cabelos escuros davam-lhe um charme sem igual contrastando com sua pele clara com algumas sardinhas próximas ao seu aquilino nariz.
- Você... sentimento que nasceu em meu coração como se estes minutos que passamos aqui fossem triplicados com tão agradável companhia. – Maxi, falou quase que automaticamente corando frente a Siné, frase ouvida por Dorva que teve em frangalhos seu palpitante coração.
A recepção estava feita. Era subirem à sala. Siné falou que subiria. E o fez, entrando na sala cheia, deixando para trás Dorva e Maxi.
Dorva aproveitou o ensejo e atacou Maxi, roubando-lhe um beijo no elevador. Maxi atônito vermelhou, nada falou. E ambos chegaram ao salão sem mais nem uma palavra proferida.
Joseph compôs a mesa chamando alguns repórteres e um vereador da cidade que se fazia presente. Maxi expôs durante quarenta minutos o mote do encontro, falando extasiado sobre a experiência do livro que tratava de forma profunda – mas segundo ele – com linguagem simples vulgarizando teorias tão complexas como a filosofia existencialista e a teoria da relatividade de Einstein. Os focos principais eram: a ajuda ao homem para se perceber como homem e; aproveitar seu tempo dando-lhe uma elasticidade promovida pelo prazer de uma vida vivida em sua plenitude - do homem que aprecia um simples lírio ao homem que descobre Deus na grandiosidade complexa das relações humanas.
A eloquência de Maxi fazia Siné voar por suas palavras, tudo parecia tão claro, tudo tão profundo, viajava numa nebulosa de saber-amor-prazer.
Dorva era ensurdecida pelo ciúme. Os recônditos da sua mente eram abrigados por estratégias de conquistas. – Como não pude perceber esta traidora no primeiro encontro. Seus olhos ligeiros, seu sorriso malicioso. Quanto fui tola. Chamá-la ao meu lado. O lobo vem à casa do cordeiro. Ruía-se por dentro Dorva.
A palestra acabou, os convidados se retiraram, Joseph levou as autoridades para um jantar. Saiu dizendo que aguardaria Maxi assim que ele terminasse ali.
Ficaram Dorva, Maxi e Siné no final. A conversa fluiu em torno do sucesso que foi o lançamento do livro. Maxi elogiou desmedidamente a competência de Dorva. – Esta foi a melhor apresentação que já participei. Muita simplicidade, objetividade, e de um profissionalismo sem igual. Dorva corou e orgulhou-se. Agradeceu afirmando que o evento foi o sucesso que foi pela qualidade do trabalho do escritor que não merecia que fosse diferente.
- Irei fechar a conta. Vocês vem comigo? – Falou Dorva.
- Não ficaremos aqui. Preciso conversar com Siné. Vou chamá-la para trabalhar em meu consultório. Você achou uma auxiliar à altura da qualidade do evento, preciso de alguém assim a meu lado. Declarou Maxi – provocando mais ainda a ira de Dorva.
Os dois a sós. Siné ainda extasiada pela eloquencia e charme de Maxi. Parabeniza-o. – Você topa sair comigo logo após o jantar? Convida meio que descrente Maxi.
Rindo discretamente, com a humildade de uma jovem inexperiente – aceita.
- Temos muito que conversar. E com um discreto beijo incendeia as bochechas de Siné. O que é flagrado pela admiradora de Maxi que fica tristemente parada no final da escada que dá acesso à cena.
Despendem-se deixando primeiro Siné em sua casa. Segue levando Dorva ao jantar. – Nos vemos... diz Maxi. – Té Miga. Brigadão... A gente se vê. Despede-se Dorva.
No carro ao sair para o jantar Maxi deixa claro a Dorva que o relacionamento entre os dois seria apenas profissional. Desculpa-se afirmando: - Dorva não é por nada, você é uma mulher atraente, muito inteligente, madura nos seus atos e palavras, mas... podemos ser amigos e só... acho que encontrei a pessoa que há muito procuro. Siné sua amiga... – Ela não é minha amiga – braveja Dorva. – Ela foi alguém que conheci no momento errado. Tudo bem podemos ser amigos? Mas assim que você se decepcionar com aquela imatura estou esperando por você. – Ambos aceitam a condição, e sobem sem nada se falar, para o jantar.

O Amor bateu no coração

Siné vai para a geladeira pega de sua água e a consome como se estivesse no deserto. Meio que aturdida não compreendia o que estava acontecendo em sua vida. – Tudo tão diferente em tão pouco tempo... – balbuciava a si mesma. Nunca um homem havia a olhado como Maxi. – Aqueles olhos, aquela expressão sábia, sua boca, sua voz, seus cabelos, sua sensibilidade, sua inteligência. – Quantas palavras para descrever o que o coração não entendia, somente sentia. Mais do que nunca a necessidade de conhecer o mundo para impressioná-lo fazia-se presente. – Quero saber mais. Quero viver mais. Quero viajar mais. Quero me embelezar. Quero ser feliz. Tudo isso com meu amor. Jogou-se de cabeça – com palavras – no amor de um desconhecido, que o sabia assim, todavia por alguma razão lhe transmitia confiança.
A lua ainda iluminada no céu com brilho se assemelhava a um grande copo de leite alvo, luminoso, inspirador.
Ela pôs uma roupa leve e saiu na escada de sua casa que dava para o quintal. De lá ficou a se alimentar da luz da lua, dos sonhos ao lado do seu amado, das verdadeiras amizades como Dorva que lhe oferecera até ali o que nem uma amiga lhe tinha oferecido – a oportunidade de ser feliz, de sonhar, de conhecer pessoas diferentes – embora não soubesse o que se passava nos pensamentos de sua rival amorosa. Isso Siné não sabia, pois Dorva dissimulou-se muito bem. Sempre prestativa, sempre sorridente, sempre pronta a responder atenciosamente o que Siné perguntava - aparentemente uma pessoa sensível e autêntica. Talvez tenha sido desfigurada pelos flamejantes dragões do ciúme - quem sabe?
Os planos foram inevitáveis voltar a estudar. Decidiu voltar a estudar, preparar-se para o vestibular, pois havia três anos que tinha se formado no ensino médio. – Quero fazer psicologia. Decidi. – Quero fazer poemas. Aliás, esta noite vou fazer um. - Adorava poemas. Eles a faziam sentir-se melhor. No entanto poucas vezes pegou da caneta para compor um. Eis a oportunidade. E num ímpeto queria ler sonetos. Queria fazer para o seu amor – por ora platônico – sonetos. Eles ajudariam também explicar sua paixão. Talvez idealizá-lo como um cavaleiro que a acompanharia, que estaria a protegê-la como a uma donzela em perigo.
O resultado de algumas horas tentando foi festejado logo que saiu a primeira estrofe em um velho caderno:

Meu amor, que de longe imaginado
Pensava existir somente em estrela
Distante, outrora só em meu fado
Acendeu em mim, da esperança, a centelha.

As tentativas se sucederam e adormeceu sentada no sofá não conseguindo continuar a segunda estrofe.
Às duas horas da manhã. Bateu-lhe à porta Maxi. Meio que atordoada abriu-a. Surpreendeu-a com um caliente beijo. E a noite lhe ofereceu a inspiração que precisava para terminar seu soneto. O que foi descrito logo de manhã após Maxi ter se despedido com beijo - enquanto ela dormia - deixando o número de seu telefone e as juras de amor eterno presas pelos ímãs em sua geladeira num bilhete: “Que desta noite ecoe o mais puro amor dos nossos corações. Tomei a liberdade de ver seus versos. Amei-os. Bjs.”

Emaranhei desejo não gozado
Em gotas de orvalho na lapela
Nunca havia deste mel experimentado
Sinto-me agora tinta em sua tela.

Controlava, o pecado, meus conceitos
E você, meu amor, os olhou se quer
Com carinho ignorou meus defeitos

E com amor selou uma mulher
Que jamais sonhara tais deleitos
Que docemente em minha vida se fez mister.


Dia de folga.

Ainda atônita perguntava-se era digna de tanta paixão. Nunca imaginou que em tão pouco tempo começaria em sua vida um momento deveras sublime.
A fome lhe veio como algo inesperado, como o verme que lhe rói as vísceras. Com ela a sensação do esgotamento tomou seus membros. Resolveu caminhar para esquecê-la. Foi até a uma fonte no centro da praça próxima à sua casa. Lavou-se: a cada vez que tocava sua face lhe vinha à mente suores, ofegos, calafrios, felicidade... Embora, a felicidade fosse um mar em que se encontrava submersa, estremecia-se suas entranhas e o medo do amor frustrado toldava-lhe por alguns instantes a luz que cintilava sorrisos na alma que cobriam as mais densas lembranças de uma vida sofrida. Aqui-agora-felicidade, pensou.
Vestia amarelo claro. Sentia na boca o gosto do enxaguante bucal que lhe enjoava. Sentou-se em um banco bem de frente à igreja. Os raios solares, lambiam-lhe o rosto, refletidos nas águas da pequena lagoa em que nadavam alguns patinhos. A água naquele dia tinha que ser reflexivamente apreciada goles calmos no fundo ensalobros, salgado-doce. O coração sentia-o bater aceleradamente. Mais água, os patos pareciam não se mover, aliás tudo parecia não se mover – pelo menos é o que parecia.
Apreciou um velho ipê amarelo. Seus galhos cobertos por um ponche verde claro davam-lhe uma imponência real. Lembrou-se do rei Salomão, suas riquezas, sua sabedoria, sua mortalidade, do sermão do padre na quarta-feira de cinzas, da simplicidade dos lírios da praça... O sofrer pelas coisas terrenas. A correria do dia a dia em busca de se eternizar por um momento, em um mísero momento. O fato de não ter que animalescamente perder a eternidade para garantir um tórrido pedaço de pão. Riu-se, xingou-se “boba, isso não é tua realidade! Esquece. Ô ô volte à tua aguinha!”
Sua voz ordenou para que voltasse de seu momento de reflexão. O homem às vezes se animaliza na busca de seus ideais, esquece de sua origem subliminar e prende-se ao predatório materialismo. Espiralava seus sentidos tal reflexão. “Já sei a fome. Quero mais água”. Saciou-se por mais alguns segundos.
Não queria se lembrar da incrível noite – o medo do abandono a atormentava – a eternização daquele momento era seu locus amoenus. “Aprazíveis caminhos me levam ao meu Amor. Seu celular... Vou ligar... Nem que eu queira meus dedos não me obedecem, nem minha razão... Não posso ser aquela que rasteja... Mas é o meu amor... Não posso...”
- Minhas amigas. – Lembrou-se de suas amigas. Mas de todas Dorva era a que lhe puxava o fio da memória.
Admirava-a, sua paciência, sua sabedoria, seu conhecimento. – Minha mentora. – Balbuciou.


As amigas

Já não se sentia tão faminta. Dirigiu-se à livraria em que trabalhava Dorva. Ao chegar à vitrine da loja um choque correu-lhe à vértebra. O livro de Maxi exposto, um grande folder à porta com a fotografia de Maxi segurando o fruto de seu trabalho e o slogan “Viver um fardo? Ou um presente divino? Você faz a escolha.”
Para ela a escolha do amor gerava-lhe uma dúvida, mesclada de satisfação e esperança.
Ficou alguns segundos em um plano diferente daquele em que estava. As coisas ao seu lado ofuscaram-se. Maxi saía do folder lhe abraçava, satisfazia-lhe, saciava-lhe, entendia-lhe. Maxi talvez não soubesse a que intensidade incendiara esta rica criatura. O amor de Siné era algo que – segundo muitos - não existe mais em nossos dias. Em pouco tempo - como uma adolescente – entregara-se aos encantos de uma paixão.
A mulher degladiava-se com a inocente criança que habitava os recônditos de sua essência. A primeira alertava-a à possível decepção, à superficialidade dos relacionamentos, à maturidade da mulher que não se aprisiona, mas deixa a paixão livre como um cavalo selvagem. Já a segunda... possessiva, louca de paixão... a entrega certa... a espera do príncipe encantado... algo edipiano; o casamento; a casa limpinha... a dona de casa, a comidinha, os filhinhos, os cachorros, as juras de amor eterno...
Alguém a desperta com leve toque ao ombro. Com um sobressalto interrompe-se a divagação. Olha para trás e Dorva lhe recepciona com um largo sorriso. Siné a abraça sinceramente. A amiga – pensou: porto seguro, conselho certo.
- Como vai você? Desculpe-me o jeito. Onde você estava? – sorriu maliciosamente Dorva.
- Longe, muito longe. Aqui no meu peito tem um navio que navega sem rumo. Ora no mar, ora no cais. – Filosofa Siné.
- Ah malandrinha, apaixonada não é?
- Digamos que... talvez...
- Seus olhos não enganam. Maxi é um Don Juan com as mulheres, um legítimo gentleman. Esse Maxi. – apontou com o dedo – Não se entregue fácil. É das mais difíceis que ele mais gosta. - Alertou tardiamente Dorva.
Siné só sorriu.
- Maxi esteve aqui hoje cedinho. Ele passou aqui assinar o contrato com a editora. Joseph estava muito contente com a expectativa positiva do livro frente às vendas. Já é um sucesso. – Comemorou Dorva.
Siné sorriu.
– Ele é muito inteligente. Inteligência e carisma são um prato cheio para o sucesso. Reafirmou Dorva.
- E você como está Dorva?
- Estou ótima. Vou ganhar uma promoção. Vou ser responsável pela turnê de Maxi. Vou viajar com ele no lançamento do livro na Europa por uns três meses. Depois me estabeleço na França por mais seis meses na filial de lá me aperfeiçoando e volto para gerir os negócios aqui no Brasil na região sul. – Extasiava-se Dorva comemorando oceanicamente.
Os olhos de Siné arderam, a palpitação, a falta de ar. Engoliu tudo isso a seco e falou:
- Que bom! Quando vocês viajam?
- Daqui uns quinze dias. – Pausa.
- A propósito você não quer trabalhar aqui? Uma de nossas atendentes vai ficar no meu lugar e vai sobrar uma vaga o que você acha? Joseph amou seu trabalho, você ontem se saiu muito bem. Vou acertar com você, você foi ótima. – Dorva acatou muito bem a ordem. A discrição era pedido de Maxi para que Siné não desconfiasse que o pedido viera dele. Ele acreditava nela, mas, quem daria trabalho nesta área para uma pessoa que não tem muito conhecimento em literaturas. Deveria ela conhecer muito. Mas isso não era problema para Siné gostava de leitura, embora não tivesse ainda frequentado uma faculdade. Era autodidata, aprendia com a vida, aprendia com a natureza. – Um espírito inquieto, uma mente limpa, um coração mais limpo ainda, uma malícia pueril que decifrava o espírito das coisas. Talvez foi isso que só Maxi percebeu. O conteúdo e não o frasco daquela incomensurável fragrância.
- Amei o que fiz ontem. Não se preocupe aprendo rápido, amo livros. Aceito o emprego. Quando começo? – Abraçou Dorva agradeceu-a exaustivamente.
A situação era nova. Poucas vezes decidiu tão prontamente por alguma coisa. Sabia que o desafio era grande. Mas que engrandecida sentia-se. Era uma sensação de felicidade e um dedinho de preocupação com seus patrões. Sempre confiaram nela... e assim sair de repente, deixá-los na mão. Eles entenderiam, - pensou, - sempre torceram por mim e sabem que o meu momento chegou. Tenho que voar, tenho que conhecer coisas diferentes. Sempre estivera anônima na multidão. Os rostos das pessoas lhe pareciam não focarem em sua direção. Sempre uma anônima. Mais uma carinha assustada que caminha na rua. Seus sentimentos, sua vida, sua história, não interessava a ninguém... às vezes nem a ela que procurava recalcar tudo que a fazia infeliz. Tudo que a diminuía. Sua tristeza embora embalasse seus dias, empurrava-a à uma vida diferente de sublimação de apreciação das coisas pequenas: do canto dos pássaros, das flores amarelinhas que faziam sua vida mais feliz, dos cachorros na rua com seus olhares tristes, solitários, famintos, às vezes doentinhos... Chorava por não poder cuidá-los como deveria, o tempo lhe era pouco. Cuidava poucos dias, encaminhava-os a alguém que pudesse criá-los, o último que adotou morreu... Decidiu por um tempo não tê-los. A posse: quem tem quem? Síntese quase perfeita: homem x cão: amizade e não solidão. Pensou “Seria muito infeliz se não tivesse sido curada da solidão pela presença em minha vida no momento em que mais precisava de um amigo cão”.
Dorva selou neste momento, sem perceber, um contrato de amizade. Uma amiga verdadeira. Daquelas que briga por aqueles que a cercam.
Por outro lado, na ótica de Dorva, teria Siné por perto. Vigiaria sua concorrente. Pelo fato de como mencionou que seria companhia a Maxi em sua turnê já causou – bem no íntimo de Siné – ciúme. Dorva comemorava o fato de quem ficaria com Maxi seria ela. Era uma questão de tempo e em poucos dias seriam um casal.
Que mesquinha sou eu! Por que estes pensamentos me rondam? Não posso pensar isso. Esta pobre alma amou aquele homem... Ela confia em mim... Pobre menina perdida...

Por um instante Dorva compadeceu-se de Siné.
A viagem de Maxi trazia ao coração de Siné a realidade dura, dura realidade, e, isso a puxava ao seu mundo.
“Sei que Maxi não gosta de mim!” O conflito entre paixão possessiva e consciência desconcertou Siné. E por alguns segundos entregou-se à figura de amiga. – Talvez eu seja a ele uma amiga, mais uma em sua vida. Seja o que for, foi ótimo.
Um calor imenso corou Siné e Dorva notou. Mas não comentou, apenas percebeu que fazia algum tempinho que estava falando sobre o trabalho. O que deveria fazer. Ela balança a cabeça e pede que ela continue.
- Vamos tomar um café assim a coisa flui melhor. E Dorva sai com Siné como duas amigas confidentes, traçando planos de quando ela começaria.
- Você folga hoje, amanhã você começa. Acerta a tua vida. Tudo bem? Sorriu Dorva muito prestativa.
Siné festejou mais uma vez: carteira assinada, uma chance diferente, um universo diferente...
Por outro lado a família que há dois anos a adotara seria deixada. Sentiu-se traidora. Mas a mudança teria que acontecer e o pedido de conta: o choro, a despedida, o início de uma nova vida.

A tarde do Passeio

Siné resolveu retirar-se do mundo pois precisava refletir sobre sua mudança repentina de vida. Tudo a aturdia: o amor, a dieta, o novo trabalho, novas amizades, passou a gostar-se.
Saiu diretamente do café e embarcou no ônibus. Ao adentrá-lo as pessoas a fitavam alegremente. Algumas a olhavam com inveja. Interrogava-se se era para ela mesma que olhavam. Não se sentia neste momento como antes – invisível ao olhar das pessoas – era como se uma luz despertasse aqueles que a cercavam. Sentou-se na poltrona. A brisa daquela tarde entrava alegre pela janela lavando-lhe ainda mais suas desilusões passadas. Sentia-se linda, sentia-se desejada, sentia-se como se a vida lhe valesse a dura pena que pagara até aquele momento... “a dor me edificou, hoje mereço o que vivo pela imensa dor que senti. Valeu ser uma boa moça e ter um amor verdadeiro, pelo menos o meu é verdadeiro, e é isso que realmente conta.” No seu interior Siné sabia que a sua dor não era tão imensa como daquelas pessoas que sofrem de doenças, ou daquelas que sofrem privadas da liberdade, ou males maiores. Todavia, havia algo nela que poderia ter-lhe tirado a vida. Sentia que às vezes não tinha liberdade, pois não a vivia na sua mais profunda significação. Vivia presa dentro de si mesma. Havia de se libertar. E essa nova vida estava lhe oferecendo a oportunidade de sair de seu interior e no mais íntimo de seus desejos viajar muito longe. Absorver a vida que raiava nas manhãs e que ela por muito tempo a ignorou optando por ficar na escuridão que toldava seu desejo de presenciar coisas tão simples como o raiar de uma manhã ensolarada.
Junto com a brisa veio-lhe gritinhos. Era da filhinha de uma senhora que estava com uma pequena menina. A criança chamava-lhe a atenção. Como se quisesse conversar com ela. Sorriu-lhe altivamente e se escondia atrás da mãe. Fez várias vezes e Siné retribuía com um sorriso tão largo quanto o da menina.
- Linda menina... uma princesinha. – Falou Siné elogiando meio que timidamente.
- Ela realmente é muito linda, é minha meninha. Não é filha? - Encolheu-se muito mais a criança quase que desaparecendo atrás da mãe.
- Você tem filhos? Indagou a mãe da menina segurando a menina que queria sair do colo.
Siné respondeu: - Não. (pausa) - Mas tenho veneração por elas. Elas me relembram um tempo em que somente as crianças me eram verdadeiras.
A mãe sorriu meio reticente. – Elas nos entendem, embora sua consciência de mundo seja limitada e ingênua, seus olhinhos veem coisas que nós adultos não enxergamos. Elas nos pregam, às vezes, uma imensa lição.
Siné encantada com a meninha viajou a sua infância. Infância dura de uma família de poucos recursos. O pai era biscateiro e a mãe trabalhava como diarista. Seu pai, semianalfabeto, assim como a mãe. Mas a honestidade e o valor à vida – pela vontade de sobreviver - era o que segundo eles deixariam a ela. O pai sempre lhe falava: “te darei estudo filha e ele não é tudo, mas é o que não podem te tirar, meu maior presente a você. Enquanto eu puder te sustentarei para você estudar”. Esta possibilidade não durou muito tempo, haja vista ter tido a necessidade de trabalhar bem nova para ajudar sua família no sustento da casa. Ajudava sua mãe de manhã e à tarde ia para a escola. Sua sofrida vida nem era percebida. As dores lhe açoitavam, no entanto, com sua valentia as suportava, e no fundo acabava até se divertindo com as poucas coisas que lhe davam prazer. “Siné é muito madura para idade dela” falavam as amigas da mãe. Essa menina um dia será alguém na vida. A inteligência de Siné era elogiada pelas patroas da mãe. “Uma menina com olhar vivo, com atitudes vivas, e uma luz muito grande.” Foi assim que foi definida Siné por uma historiadora dona de uma das casas em que a mãe dela faxinava. “Eu lhe darei alguns livros e você os leia, assim que puder te darei mais. Conseguirei para você uma carteirinha da biblioteca.” Esse foi um dos maiores presentes que Siné ganhou, pois lhe traria uma lucidez de espírito que a faria forte em sua caminhada.
Trabalhando, estudando, vivendo. As dores lhe eram diversões, fortaleciam-lhe. Sua sofrida vida passava e os sofrimentos não lhe eram assimilados. Mas, com o passar do tempo veio-lhe a ansiedade. E sua dieta calórica, oferecida pelos poucos recursos, lhe daria os contornos os quais odiaria e lhe faria – como vaga desculpa – infeliz com sua aparência. Mesmo assim, no seu interior, dizia-se feliz, e seus pais até o final de sua adolescência sempre estiveram com ela dando-lhe companhia e força para suportar as dificuldades da vida e a sua desenfreada busca, quase que inutilmente, em entendê-la. Lembrava-se também que às noites o pais contava histórias e não raras as vezes seus pais cantavam embalados à luz do lampião. Definia aqueles momentos como sua riqueza, sua integridade. Seus pais cuidando - instintivamente - em seu pouco entendimento, da integridade emocional da filha, queriam que ela não se ferisse. Protegê-la, pois ela era a eles “sua menininha”.
Aproximava-se o ponto de parada precisava descer. Beija calorosamente a menina no rosto, bem como sua mãe e desce. “Você valeu o dia!” disse docemente Siné despedindo-se.
Havia perto de onde ela desceu um santuário. Tirou as sandálias e andou pela grama até chegar à capela central. Uma pequena capela em volta muitas árvores ao longe um vale. Precisava olhar longe libertar sua mente. O céu tocava o verde. Sentou-se embaixo de uma árvore. O canto dos pássaros se fizeram sua música, relaxava-a. A lucidez precisava fazer-se amiga dela, pois nesse momento ela precisava mais do que nunca ser lúcida. Entendia que a felicidade podia ser momentânea e neste momento ela poderia toldar-lhe seus sentidos.
Rezou alguns instantes. Entregou a Deus suas decisões. Entregou a Deus seu amor por Maxi.
Ficou o resto da tarde ali. Depois foi para casa.

As juras de amor

Quando chegou próximo a sua casa viu que o carro de Maxi estava estacionado em frente. Sentiu uma imensa alegria, e também insegurança. Não sabia o que falar. Gostaria de poder encantá-lo, mas a criatividade é um animal selvagem. Às vezes não conseguimos domá-lo, às vezes nem conseguimos nem se quer vê-lo.
Maxi estava sentado na pequena varanda que havia na saída para o jardim.
- Olá? Como vai? – perguntou Maxi.
- Muito bem e você?
- Já conseguiu assimilar a nova vida que você viverá daqui para frente? – Sorriu Maxi.
- A maior mudança aqui é você. – Justificava Siné, com um largo sorriso.
Ele a beijou suavemente, pegou suas mãos. E interrogou: - você não vai me convidar para entrar?
Siné sorriu novamente e abriu a porta. Abre toda a casa. Sentam-se na sala.
A conversa foi longa. Haviam coisas para serem tratadas. Maxi disse que era como se ele a conhecesse há muito tempo. Não precisava conversar muito com ela para saber que havia algo de muito bom nela.
- O que você viu em mim? Não tenho nada de interessante. Sou uma menina sem a metade do seu conhecimento de mundo. Você é viajado. Não sei nada de você.
Nesse instante Maxi põe levemente a mão nos lábios de Siné e suavemente pede que ela não fale mais nada. Beija carinhosamente sua mão. E diz: - amanhã você entenderá. Poderia te dizer tudo o que senti por você. Mas passei a tarde inteira escrevendo sobre isso. Seria tautológico. Portanto amanhã leia minha crônica que publiquei sobre nosso amor. Peço desculpa se expus a gente. Mas precisava falar para o mundo inteiro. Eternizar um momento que para mim foi um dos mais felizes da minha vida. A mulher que sempre sonhei. Mas... Amanhã você lerá e entenderá tudo. Agora vamos aproveitar este momento.
Resolveram sair. Precisavam aproveitar o tempo. Maxi dispensou seus compromissos e entregou-se a Siné.
- Vamos jantar depois, vamos ao cinema.
Não sabia da dieta de Siné. Logo saberia. Ficou meio atônito, todavia resolveu respeitar. Não sem antes aconselhá-la como quem tem conhecimento de causa, por ter como aconselhadas várias meninas que sofriam de anorexia.
- Você não sabe o quão triste é o sofrimento dessas meninas, o quanto sofrem suas famílias e aqueles que as amam. Pense profundamente no que você está fazendo. Na livraria você encontrará vários livros a respeito do assunto.
Siné contra-argumenta afirmando que não está passando fome, só mudou seu alimento. E desde que mudara, sua vida também mudou. E agora ela se sentia muito feliz.
- Olhe Maxi. (pausa) Desde que mudei meu foco de vida cresci muito. Talvez não seja o momento de eu parar. Eu supervalorizava algumas coisas. E não aproveitava outras. Deixei de me alimentar da vida. E é isso que entendi.
Sentada à mesa com Maxi se alimentava de suas palavras de sua preocupação, de seu amor quase que paternal. E a noite passou agradável. Com cada um contando sua história de vida.
Mais Siné falava, Maxi só ouvia como que se sonhasse.

A crônica
Maxi saiu antes de amanhecer. Um bilhete na geladeira: “os sonhos que mais nos prendem são aqueles a que nos entregamos sem nem uma reação. Um agradável dia a você. Um início ótimo de trabalho. Boa sorte. Passo à tarde aqui. Com amor Maxi.”
Siné era toda empolgação. Seus olhos flamejavam. Era um sonho que não sonhara, mas que o vivia com intensidade. As colegas de trabalho a receberam com bonomia. Foram simpáticas e dispostas. Embora uma delas, a mais velha, aparentemente falou com ar de graça “aqui se muito trabalha, pouco se ganha, mas muito se diverte, boa sorte colega. Aliás livros novos chegaram, você já tem o que fazer. Axulina você ensina Siné na catalogação?”.
Era um ambiente bem arejado, uma iluminação ótima, havia uma sala de leitura com confortáveis almofadas, um ambiente Hi-Fi, e tudo que uma livraria bem montada precisava ter, inclusive um ambiente infantil com salinha de leitura e jogos lúdicos. Era algo muito agradável a Siné. O saber batia em sua porta. Ali com certeza aprenderia muito.
Axulina chegou com um exemplar do jornal de circulação regional em mãos. Falou a Siné. Dorva pediu que eu o entregasse a você. Tem algo muito importante aí que te interessa. Siné continuou catalogando. Observava as pessoas que entravam. E cada uma delas apresentava um ar que despertava nela o interesse de saber um pouco de suas vidas. Aproximava-se para vê-las qual eram suas preferências de leitura. Estudava-as e sem perceber a cada pessoa que entrava arriscava mais ou menos a que sessão se dirigiria – algumas vezes acertava – e isso se fazia uma interessante brincadeira. As colegas às vezes não muito simpáticas abandonavam os clientes muitas vezes nem perguntando no que se interessaria. O que desejaria. E assim passou a manhã. Dorva chegou perto da hora de Siné sair para o almoço. Abraçou-a e falou:
- Siné hoje estou conversando com algum de nossos clientes e fornecedores, caso você precise de alguma ajuda só você me ligar te deixo meu número de celular com você. Ligue não se apure. Se você precisar de algum livro para você se familiarizar temos todos em versão digital. Alguns dos editores nos abrem para conhecermos seu conteúdo com sinopses muito interessantes. A senha te entregarei também. Não se envergonhe em perguntar. Todas as meninas estão muito bem aconselhadas em não te deixar na mão. Você é minha amiga. Eu não vou te deixar na mão (insistiu). – Dorva falava ligeiro Siné só balançava com a cabeça concordando. – A propósito tenho que ir ligeiro em casa almoçar, à tarde continuo com meus serviços externos. Até mais Siné. Amanhã conversamos mais. Beijão.
Dessa forma sem Siné dizer alguma coisa Dorva falou com uma das meninas e saiu apressada.
Logo após sai Siné para a hora do almoço.
Curiosa Siné dirigiu-se à igreja. Benzeu-se. Sentou-se e tirou de sua bolsa o jornal. Foi folhando até chegar na coluna de Maxi. E começou a ler:
“O amor em sonhos e realidades. Prezados leitores. Sempre venho a vocês semanalmente falar das relações humanas e suas dificuldades. Atualmente tenho vivido um conto de fadas. Lembram-se vocês de alguma vezes ter citado em minhas crônicas uma mulher que sempre sonhei? Era minha companheira ideal. Não digo que não tenho que agradecer às muitas mulheres a que conheci e que muitas vezes traçamos histórias muito felizes. Decepções vivi sim. E mesmo elas me ajudaram a definir o meu padrão do que realmente quero para minha vida. Agora volto a falar de minha companheira ideal. Vejam só os senhores. Sairei de minha formal maneira de escrever baseada na ciência para de maneira – quase que coloquial – traduzir o que estou vivendo. Há poucos dias no lançamento de meu último livro havia feito um pedido aos céus. Que precisaria conhecer alguém especial. E foi nessa mesma noite que conheci. Eu antes mesmo de conhecê-la pessoalmente já a imaginava há muito tempo. A descrição era a mesma: fisicamente, intelectualmente e sentimentalmente. Ela poucos dias, em forma de sonho já havia se apresentado a mim. Seu rosto não conseguia enxergar, mas sua voz para mim era clara, era a mesma da mulher que me ajudou ter sucesso num dos eventos mais importantes a que participei. Meu maior contrato com uma editora. Minha maior chance de minha vida. Sobretudo minha noite mais feliz depois de tantas que se passaram como que se fosse a repetição de outras opacas noites. Saliento que sua luz era sem igual. Sua aura de bondade era um coisa fora do normal. Sua aparência física era completada por uma sabedoria, daquelas imanentes, daquelas que nasce com a pessoa. Confesso que ela não precisa dizer muitas coisas. Como já falei, eu já a conhecia. Senti medo disso. Mas o amor é maior. As viagens que fiz me conduziram para caminhos desconhecidos. A cada uma delas a novidade me trazia algo um pedaço do desconhecido e necessário à minha vida. Sinto que de todas as viagens amorosas essa é a que mais tem a me trazer algo novo. (Desculpo-me aqui aos meus amores passados a que tenho muito que agradecer). Confesso que pensei que não confessaria nunca um amor. Principalmente a vocês leitores. Nunca fui tão pessoal nas minhas escritas destinadas a vocês. Mas achei que esta seria a chance de me fazer conhecer – uma pessoa sensível, leitor de poesias, que se emociona com um filme, que se emociona com a natureza, que se compraz com aqueles que padecem, e que também sofre, mas não deixa de acreditar. Em meus artigos, vocês sempre encontrarão um pouquinho de mim. Hoje vocês tiveram a chance de ver muito de mim. E isso graças a uma mulher que colocará com certeza nos meus próximos livros – se ela mesma quiser – um charme maior às minhas manifestações por quanto tempo ela assim desejar. Termino hoje afirmando que vale a pena se entregar ao amor, ele é o remédio a todos os males trazidos pelo tédio. Uma ótima e iluminada semana.”

A quinzena de amor

A crônica de Maxi aumentou ainda mais o amor de Siné, bem como a admiração do público-alvo de seus livros que o viam como um homem da ciência que escrevia friamente, mas não de forma vazia, sobre o homem e seus recônditos – suas fraquezas e seus caminhos alternativos para sair da depressão e enfrentar de frente este mundo capitalista predador. Este conflito, admiradores e Siné não perturbava Maxi que tinha bem claro seu caminho, seus ideais – ter filhos, viver um grande amor, fazer profissionalmente o que sentia prazer: escrever.
Os quinze dias passavam rapidamente. Siné não abandonou sua dieta que já não a incomodava – o sol, as alegrias, as idas a lugares floridos ou em que a natureza cantava silenciosamente uma canção, a igreja, aos templos, suas amizades, seu novo trabalho que a cada dia mais a impressionava pela riqueza que possuía as infinitas páginas das obras que se ofereciam carinhosamente a ela – que servia como mediadora entre objeto desejado e ávido consumidor. Enfim alimentava-se, às vezes, enfastiando-se de vida que se fazia abundante ao seu lado.
Esses dias foram transcritos em uma poesia em seu diário:

“Fez-se enfim primavera
Fez-se em mim felicidade
E a quinzena... Já era.”



A viagem de Maxi

Chegou o dia da viagem de Maxi. Abre-se aqui um parêntese para comentários a respeito do tempo. Os dias antes da revolução na vida de Siné eram muito extensos – a sua dor – muitas vezes sem motivo, pareciam infindáveis. Suas mágoas regurgitavam em suas vísceras e o tempo regurgitava dessa forma. Seu sofrimento diário sempre era novo. No seu interior a dor era intensa – fibromiálgica. Embora buscasse externar-se como pessoa feliz, sorridente, muito pronta a tudo, quase uma mãe de suas amigas. Era estoicista, sofria por suas amigas, por ela mesma, pelo mundo, pelas estrelas... Agora as novidades de uma vida radiante aceleravam sua vida, páginas novas no livro de sua existência, eram páginas prazerosas de serem folheadas e quando revistas reavivavam mais ainda seu dia a dia. Tornou-se solidária, agora, de sorrisos, de bons conselhos, porém sem deixar-se contaminar pela dor do outro. Sentia prazer e, ser fonte de luz aos outros. Uma nova vida.
Com essa radiância acordou ao lado de seu amado. As malas estavam prontas. Era o dia. Maxi afirmou que noivaria com ela no retorno e, ela ficava na incumbência da organização do noivado. Sentou-se aos pés de Maxi a olhá-lo era como um sonho que ainda não acreditava: o amor em um tempo em que sentimentos puros são raros em meio a tanta atitude mesquinha com o semelhante em que as pessoas parecem ter saído de um iceberg.
O avião partiria às 15 horas, até lá buscaria fazer o que pudesse para disfarçar a Maxi a imensa saudade que iria sentir e a que já estava sentindo mesmo antes da partida. Precisava ser forte. E de fato o dia foi muito agradável, conseguindo aproveitá-lo mesmo diante de tal situação.
O fato que mais marcou o dia de Siné, foi Maxi ter feito um noivado simbólico no meio da praça. O que ele fez a Siné, foi tirar suas sandálias, ele tirou os seus sapatos. Embaixo de um pé de plátamo, apanhou um galho de uma flor branca fazendo-o à forma de uma grinalda, no celular o toque da marcha nupcial. Mas, o cortejo da natureza e dos pássaros foi o que mais impressionou o momento – embora não planejados – pareciam que o fora. Siné achou muito engraçado, muito espontâneo, Maxi parecia muito feliz, mais do que nunca, e seu sorriso ora quase que orbital, seus olhos em chama não o deixaria mentir diante de tão grande evento: natural, original, poético. Ao fim selaram um amor, uma aliança. E devido à demora, quase que Maxi perdeu o avião, saiu um pouco do planejado. Dorva estava preocupadíssima – ligando sem parar a Maxi. Até que ele chegou e ela se sentiu aliviada.
- Cuida bem dele Dorva.
- Cuidarei como meu irmão. Não se preocupe Siné.
Siné abraçou calorosamente Maxi, em seus olhos o amor, em seus olhos a saudade, em seus olhos uma história que parecia não ter fim. O choro-riso inevitáveis. Olhar vivo de ambos: o amor celebrado em de uma rica e transparente taça de cristal.
- Contigo vai meu coração.
As lágrimas em seu olhos marejados caíram timidamente, sua tez resplandeceu, e uma indescritível fragrância floral foi sentida por Maxi, as flores abençoando uma união.

A solidão

Siné sentiu-se muito só. Em seus primeiros dias sem Maxi ainda ecoavam seus momentos de felicidade ao seu lado. Com o passar dos dias o sol já não brilhava para ela da mesma forma. Nem os e-mails de Maxi com as fotos dos lugares aos quais visitara conseguiam colocá-la para cima.
Certo dia quando caminhava na rua, viu um senhor sentado na calçada. Era um dia muito quente. O homem lhe pediu uma moeda para comprar pão. Ela parou e enquanto procurava em sua carteira moedas o senhor a interrompeu.
- Minha filha você está triste. Não se preocupe. (pausa) Ele voltará.
Ela pegou as moedas e as entregou ao pedinte.
- Este homem não merece seu sofrimento.
- Como assim? – Indagou Siné.
(até aqui) - Ele trairá você com sua melhor amiga. – Meio que sussurrou o homem com um imenso bafo de cachaça.
- O senhor não conhece meu noivo. Não me conhece.
- Não o conheço. Mas sei que ele não é fiel a você.
Siné sentiu um choque correr por se corpo. Sua garganta quase que se fechou, seu coração palpitou. Suas mãos suaram. Sua mente pedia-lhe que não contra-argumentasse, que nada falasse – afinal era somente um bêbado – alguém fora de seu juízo normal. Mas, tem coisas que a razão não explica, como o nosso corpo reage instintivamente quando provocado.
- O senhor diz isso porque a maior parte das pessoas trai. Nós somos muito felizes. Ele não vai me trair.
Num súbito impulso Siné deu por si e resolveu sair dali. “Esse senhor está blefando. Quanto sou tola, dando importância ao que diz esse bêbado.” Quando se afastou um pouco mais, o senhor insistiu:
- O escritor... O escritor vai te trair.
Aí foi o golpe final. Siné fitou profundamente aquele homem. Formigava seu estômago. O medo apoderou-se de seus sentidos. E, ela afastou-se rapidamente com os olhos marejados. A angústia. A dúvida. “Não vou acreditar... Esse bêbado com certeza conhece Maxi... Ele deve ter nos visto.” Assim pensava, assim esperava, assim rezava.
Mesmo tendo duvidado das palavras do mendigo – pelo menos era assim que insistia em pensar – elas ecoavam em sua mente. Agora a dieta era também de noites dormidas. Os seus livros lidos passaram a ser os ultrarromânticos. A dor. A nostalgia. A fuga. Trabalhava o dia todo e à noite se internava na leitura. Suas amizades se preocupavam com ela, mas o telefone não o atendia. Os e-mails de Maxi ficaram sem resposta e os colegas de trabalho entregavam inutilmente os recados a ela. Os postais chegavam à sua casa esbofeteando-a como uma imensa mão que trazia escrita em seus vãos dos dedos a palavra: traição.
Siné resolveu conversar com o mendigo. Dias ela desviou o caminho em que ele poderia se encontrar. Todavia, chegou o momento em que ela enfrentaria seus temores. Aproximou-se da esquina em que ficava aquela esfarrapada criatura – pensava-o assim por seu incrustado ódio. Parou. Decidiu retornar e não o enfrentar. “Não. Decididamente preciso ir.” O mundo nesta hora girou. Quase desmaiou. Sentia as veias do corpo inteiro, seu coração a pulsar fortemente. Seus braços estavam formigando. Passa uma moça com olhar assustado e pergunta a Siné ali parada.
- Tudo bem com você?
- Só estou um pouco enjoada. Isso pode ser gravidez minha filha. - Sorriu a moça.
Sentou-se havia esquecido da possibilidade de gravidez.
- Não, não é minha senhora, estou em dia.
- Então pode ser o sol minha filha. Se alimente com comida leve. Beba muita água. Aliás já te trago um pouco de água pra você. – Assim entrou a senhora na lanchonete trazendo em seguida água a ela.
- Obrigada minha senhora pode deixar estou melhor.
Siné recuperou-se um pouco e decidiu continuar no empreendimento.
Quando virou a esquina olhou o senhor que estava sentado no mesmo lugar que o vira antes. Ao observá-lo mais de perto, não o reconheceu como sendo o mesmo daquele dia.
- Uma moedinha para o “veinho” minha filhinha.
- O senhor sabe onde está o homem que estava sentado aqui dias atrás?
- Aqui é meu ponto minha filha. Não tem outro que pode ficar aqui minha filha. É a lei da selva. Tudo para sobreviver. Depois eu contribuo com a cachacinha para os irmãos. – Assim sorriu largamente o senhor com muitas falhas nos dentes.
Siné insistiu.
- O Senhor me conhece?
- Já vi você passar por aqui. Mas nunca falei antes com você. Difícil alguém me enxergar aqui minha fiinha. Ainda mais moça bonita assim...
- Atônita Siné teve sua visão tolhida. Quase desmaiou.
- Tudo bem moça? – Perguntou um homem de terno que passava por ali.
- Tô bem. Tô bem. – E saiu Siné apressada dirigindo-se à ingreja.
Siné não entendia. Parecia estar alucinada. Vendo coisas estranhas. Era a falta de Maxi? Era a dieta? Não conseguia resposta.
A resposta talvez estivesse nos livros. Mas em que livro? Mergulhou na leitura sobre o assunto. Metafísica não era seu forte, mas aos poucos ganhou força, apegando-se com santos e anjos para enfrentar o momento.
Deixou-se esquecer do que havia ocorrido. Desligou-se da saudade de Maxi. Embora às vezes ela a açoitasse. Suas Suas chagas: trabalhos voluntários aos finais de semana. Assim distraía-se. E os dias passavam.

A invisibilidade

Aquele dia ao se acordar sentiu-se diferente. A luz parecia-lhe mais amiga que outrora. Conseguia - como se seu corpo fosse o fim de uma aresta - ver as diversas cores da branca luz que lhe transpassava. A corpulência desse evento distraía-lhe os sentidos. Notou suas mãos diferentes – muito brilhantes. Sua face quase translúcida ao espelho também refletia muito forte a luz. Ao sair à janela, um beija-flor parou em sua frente, quase imóvel, tentou beijar-lhe os lábios, o que conseguiu de leve. Ficou atônita diante de tal acontecimento.
“Um beija-flor tentou provar de meu néctar.” Brincou consigo mesma. Sentia como se formigas devorassem seu estômago. A luz, agora, transpassava-lhe completamente. A fome se intensificava. A saudade de Maxi, suas palavras. Precisava abrir seus postais, seus e-mails. Decidiu em meio a tudo aqui – ir à tarde à uma lan house. Era domingo, não trabalhava. Precisava ir ao parque, ir à igreja. O abraço dos idosos um dia antes a reanimara, assim como a umas palavras em sinal de gratidão e carinho de uma senhorinha de cabelos azuis: “viva o amor como se ele fosse o único motivo de sua vida, o tempo passa e só ele é a lembrança que mais nos impulsiona a viver mais. Lembre-se disso, pois ainda vivo intensamente aqui cada ato de amor que vivi (apontava para o coração). Vale muito a pena, pode ter certeza, pois é uma das poucas que tenho”. Sentia uma imensa vontade de sair. Apressou-se em se arrumar. Foi apanhar a escova dental, segurou-a, mas ela caiu. Achou natural “escorregou”, pensou. Continuou logo após arrumando-se. Ao tentar fechar a porta caiu-lhe da mão a chave. Tentou pegá-la quase que não conseguiu. No entanto, teve dificuldades, mas fechou a porta – a esse momento o medo e a loucura eram tolhidos por um resquício de sobriedade que não deixa nós pobres mortais acreditarmos em coisas do gênero. “Que está acontecendo??!!” – indagou Siné. Descartou a loucura, ignorou o fato e seguiu. Viu ao longe uma colega de trabalho. Ao se aproximar a mesma não a viu. O que foi autojustificado como sendo sua amiga “orgulhosa. Finge que não vê as outras pessoas. Normal isso hoje em dia. Falsas amizades, falsos colegas.” O padre de sua paróquia – amigo de Siné – também não a enxergou. Aliás, todos pareciam não enxergá-la. “Opa, opa, opa, tem algo de estranho aqui!.” - Sentia alguma coisa que não sabia bem o que era. Ela só sabia que isso não era o que deveria sentir. Nesta situação os sintomas de um ataque de nervos seria o mínimo razoável. Mas... não era o que estava acontecendo com ela.
Vinha-lhe uma outra colega de trabalho em sua direção e - esta daria graça se não a visse mesmo - o que acabou acontecendo. Queria chorar. Não conseguia. Gritou, ninguém a ouviu. Olhou-se: o corpo em luz, radiante, muito belo. Seus pés levitavam. “Subliminar” pensou. “Agora sou um anjo” - não deixando de lado seu censo de humor. “Que sonho mais demoradinho esse!” devaneava ironicamente.
No fundo, ela pensava-se num sonho. Aparentemente não era. E esse frio da dúvida corria-lhe pelo seu subliminar corpo.
“Cadê meus sentimentos? Se dissiparam com... com... – não sabia definir. – Deve ser... isso?!” Que êxtase. Sentiu-se inebriada. As pessoas ao seu comando andavam devagar, bem devagar.
Pensou “Sei...! eu acho que... como é que eu vou dizer isso? Eu...” Resolveu não dizer o que achava o que tinha ocorrido. Mas então deve se igual aquele filme “O sexto sentido”. Então...” Parou na praça em frente à fonte e ao velho ipê. Voltou no tempo na noite de lua cheia e viu-se sendo iluminada. Viu-se bela. Viu-se plena... A solidão a deixou. Cada pessoa que passava perto dela agora a alimentava. Seus sabores corriam - como se fossem essência – aos seus olhos. Suas dores, felicidades e angústias. Escutava-lhes seus pensamentos – quando assim desejava. Tudo isso a aturdia, mas não a incomodava. Andou, viajou, viveu de forma diferente. Sentiu prazer no canto do pássaro o qual contou com sua presença por alguns instantes. Se emocionou ao ver vida no ninho e a mãe alimentando seus filhotinhos. Continuou andando na rua. Ao passar pela esquina em que tinha visto o mendigo, o avistou novamente. Ela parou em sua frente. Encarou-o com coragem, mas ele abaixou sua cabeça. Conferiu - não foi o segundo que negou conhecê-la. Ela parou poucos instantes ali. O senhor lhe dirigiu a palavra:
- Você ainda tem dúvida minha filha?
- O senhor consegue enxergar-me?
- Sim até seu lindo interior.
- Procurei o senhor novamente, mas não estava aqui.
- Eu estava aqui. Você não me enxergou. Éramos dois.
- Então...
Um silêncio imperou. Siné resolveu não entender o que havia realmente ocorrido. O fato é que ela conseguiu vê-lo. As indagações eram menores que ânsia de talvez aproveitar o estado em que se encontrava: feliz, em paz.
- O que está acontecendo? O senhor quem é?
- Você estava muito confiante em um amor e eu resolvi testá-la. Hoje poucas pessoas amam de forma que você está amando. – A face do senhor era tão expressiva quanto suas palavras, como um druida respondia Siné com sabedoria e paciência.
- Eu o amo muito...
- Você quer vê-lo?
- Sim muito.
- Então que se faça.
Tudo se espiralou ao seu lado em fechos de luzes multicolores. Pararam em frente à janela do apartamento em que estava hospedado Maxi. Pela janela Siné observou Maxi abraçado com Dorva. Neste momento compreendeu as palavras que a alertavam à traição. Mas não se enfureceu, apenas observou. Não entendeu porque a fúria não invadiu seu coração que parecia bloqueado. Ficaram ali alguns instantes.
- Nos aproximemos mais.
Ao se aproximarem ela viu que Maxi chorava. Durva Consolava. Abraçados Maxi afirmou:
- Siné. (pausa) – O que aconteceu com ela?
Em um repuxo tão forte Siné e o misterioso homem saíram dali. Retornaram à esquina. Siné fitou o senhor, pegou a sua mão, beijou-lhe a face e atônita retirou-se.
Em frente à igreja sentada sentia os primeiros pingos de chuva. A chuva engrossou e a água começou a lhe trazer de novo à materialidade. Pouco tempo depois a mãe e a criança que ela havia acompanhado no ônibus se aproximaram e a menina ao colo da mãe lhe sorriu, jogou-lhe um beijo com as mãos, sua mãe não percebeu o que ocorria.
Siné seguiu para casa. No caminho desmaiou. Uma mão quente tocou-lhe à face. Abriu lentamente os olhos e com um sorriso um médico - com a mesma face do mendigo – lhe falou:
- Você menina precisa se alimentar... (sorrindo brincou) agora você precisa comer por dois.

(20/11/2009)
Também publicado no Livro "Devaneios em Prosa, 2011, Editora Unicentro. LIMA, Marcio."
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