"Tempo de colheita!"
Joãozinho passou a mão nas bolinhas de gude... Ninguém tinha mais bolinhas que Joãozinho, no entanto, ele nunca jogou uma partida se quer. Bastava a gurizada começar o jogo e lá vinha o bendito do Joãozinho e gritava "tempo de colheira!" e, lá se iam as bolinhas caseadas na rua para uma partida que se repetiria quase o dia todo até quase escurecer...
Tonico tinha partido a unha de tanto jogar. Havia um calo em seu dedo polegar direito, bem na voltinha que segurava a bolinha em compressão com a ponta de seu indicador... Mas, mesmo nos dias de dor, o menino continuava a empreitada até a dor passar...
Tonico, em uma tarde fechou sua coleção de bolinhas, que contava com as gateadas, americanas, leitosas, pinhequinhos - que eram as menores bolinhas - e o seu contrário, os boletões. Também contava com as jogas, que eram as búlicas que possuíam o peso adequado à sua pontaria e lhes traziam sorte, eram poucas e uma parte ficava na estante de casa e a outra ficava na lata das bolinhas, que acabara de encher. Era mais ou menos 3 litros e meio de capacidade da lata, cheinha de bolinhas de gude. Era seu tesouro...
Já havia pensado e calculado onde enterraria esse tesouro, precisava guardar para posteridade o fruto de seus serviços de incontáveis dias de partidas de búlica. Seriam 5 passos entre duas árvores plantadas no quintal, ponto exato entre as duas. Não haveria segredo... Guardaria de cabeça, sem ajuda de um mapa para isso.
O tempo se passou. Uns três anos depois decidiu desenterrar seu tesouro. Entraria naquele ano na faculdade. Queria relembrar de parte de sua adolescência e infância. Era quase um ritual solene. Chamou seus irmãos para tanto. Cinco passos foram contados. A pá cortou a terra pedregosa. Oito tentativas se sucederam... E, nada do tesouro de Tonico.
Já não era criança, mas teve vontade de chorar. Lembrou de Joãozinho e levantou a hipótese de ele ter descoberto o ponto... Mas, teria ele visto onde e quando enterrou as bolinhas?
A idade madura chegou e até hoje desfilam em suas indagações o que aconteceu com suas bolinhas de gude...
Sorriu... Olhou seu polegar, a curva de sua pele onde pegavam as bolinhas até hoje possui uma certa deformação que o faz lembrar das quase que inacabadas partidas de bolinha de gude... Vez ou outra ainda houve a voz de Joãozinho, quando alguém o tentar passar para trás "Tempo de colheita!".
(Marcio Lima)
Imagem obtida em: https://pixabay.com/pt/photos/malabarismo-m%C3%A1rmores-lan%C3%A7ar-m%C3%A3o-213181/
Bons tempos
ResponderExcluirCom certeza... bons tempos... Um abraço, fique conosco.
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