sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Tempo de colheita!


"Tempo de colheita!"

Joãozinho passou a mão nas bolinhas de gude... Ninguém tinha  mais bolinhas que Joãozinho, no entanto, ele nunca jogou uma partida se quer. Bastava a gurizada começar o jogo e lá vinha o bendito do Joãozinho e gritava "tempo de colheira!" e, lá se iam as bolinhas caseadas na rua para uma partida que se repetiria quase o dia todo até quase escurecer...

Tonico tinha partido a unha de tanto jogar. Havia um calo em seu  dedo polegar direito, bem na voltinha que segurava a bolinha  em compressão com a ponta de seu indicador... Mas, mesmo nos dias de dor, o menino continuava a empreitada até a dor passar...

Tonico, em uma tarde fechou sua coleção de bolinhas, que contava com as gateadas, americanas, leitosas, pinhequinhos - que eram as menores bolinhas - e  o seu contrário, os boletões. Também contava com as jogas, que eram as búlicas que possuíam o peso adequado à sua pontaria e lhes traziam sorte, eram poucas e uma parte ficava na estante de casa e a outra ficava na lata das bolinhas, que acabara de encher. Era mais ou menos 3 litros e meio de capacidade da lata, cheinha de bolinhas de gude. Era seu tesouro...

Já havia pensado e calculado onde enterraria esse tesouro, precisava guardar para posteridade o fruto de seus serviços de incontáveis dias de partidas de búlica.  Seriam 5 passos entre duas árvores plantadas no quintal, ponto exato entre as duas. Não haveria segredo... Guardaria de cabeça, sem ajuda de um mapa para isso. 

O tempo se passou. Uns três anos depois decidiu desenterrar seu tesouro. Entraria naquele ano na faculdade. Queria relembrar de parte de sua adolescência e infância. Era quase um ritual solene. Chamou seus irmãos para tanto. Cinco passos foram contados. A pá cortou a terra pedregosa. Oito tentativas se sucederam... E, nada do tesouro de Tonico. 

Já não era criança, mas teve vontade de chorar. Lembrou de Joãozinho e levantou a hipótese de ele ter descoberto o ponto... Mas, teria ele visto onde e quando enterrou as bolinhas? 

A idade madura chegou e até hoje desfilam em suas indagações o que aconteceu com suas bolinhas de gude... 

Sorriu... Olhou seu polegar, a curva de sua pele onde pegavam as bolinhas até hoje possui uma certa deformação que o faz lembrar das quase que  inacabadas partidas de bolinha de gude... Vez ou outra ainda houve a voz de Joãozinho, quando alguém o tentar passar para trás "Tempo de colheita!".

(Marcio Lima)

Imagem obtida em: https://pixabay.com/pt/photos/malabarismo-m%C3%A1rmores-lan%C3%A7ar-m%C3%A3o-213181/

2 comentários:

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Ele olhou para trás, como uma profunda utopia, havia ninguém lá... Olhou à frente, também, ninguém havia lá... Ao olhar bem mais atento, tod...