domingo, 22 de julho de 2012

Uma Noite Solitária

Imagem obtida em: http://jorgebichuetti.blogspot.com.br/2012_08_01_archive.html
 
_______O vento batia violentamente na parede da velha
casa. Soprava uivante como lobos em noite de
luar. Os trovões, os raios e os relâmpagos se sucediam
em um espetáculo assustador, pelo menos para
as mentes daqueles que não possuíam uma alma
pura para enfrentar o medo proporcionado por uma
apocalíptica noite. Logo começou a chover. O vento
se exaltava cada vez mais, trazendo consigo os
primeiros pingos violentos daquela que seria uma
tempestade dantesca. Ramiro assustava-se com tudo
isso. Os galhos das árvores batiam na parede, no telhado;
dava-lhe a impressão de que alguém tentava
derrubar a casa.
Ramiro sempre ouvira as histórias dos mais velhos
a respeito das pessoas que foram atingidas por
raios, por isso tremia freneticamente de medo como
se fosse uma apavorada criança, embora estivesse
com dezessete anos. A cada raio, pulava. Estava sozinho.
Seus pais haviam saído ver seu tio, irmão de seu
pai que se encontrava muito doente.
Seu tio era para ele um herói, contava muitas
histórias de viagens, de passeios, de fantasmas
e de lendas de tesouros escondidos. Narração que
vinham seguida de uma vivacidade pungente, que
o emocionava arrancando sensações mais puras e
verdadeiras que somente os narradores mais eloquentes
conseguem.
Vinha-lhe à mente a história do velho João, que
seu tio sempre comentava como testemunho de que
a alma é imortal e, o corpo é um simples abrigo desta.
Dizia ele que na noite em que o velho João falecera
escutou um barulho, como se algo tivesse caído. Foi
ver o que era. Caminhou pela casa toda e tudo estava
em perfeita harmonia, tudo estava em seu lugar.
Sentiu um frio correr pelo corpo inteiro, mas dizia
ele a si mesmo que estava tranquilo, “era uma reação
natural dos nervos!” Voltava à velha poltrona. Lia um
livro de contos de Edgar Poe. Julgava ele que tais sensações
eram geradas pela temática dos contos lidos.
Após alguns minutos, novamente ouviu alguma coisa
cair, desta vez a intensidade do barulho era mais
alta e, dava-lhe a impressão de que caiu no piso da
cozinha. Pensou... “É ladrão”. Pegou a vassoura que
se encontrava perto – era só o que se encontrava por
perto e podia defendê-lo naquele momento pensou -
e caminhou sorrateiramente. O coração em batidas
violentas parecia que sairia correndo e deixaria quem
dele precisava. O suor em seu rosto vertia como água
salobra dos gêiseres. Tentou acalmar-se um pouco e
planejava o ataque. Talvez contra um ladrão. Apro77
ximou-se da porta da cozinha e pela fresta observou
lentamente, mas nada viu. Caminhou pela casa toda
e nada percebeu de anormal. Tudo em seus lugares.
Olhou pela janela e tudo estava bem. A curiosidade
o assombrava. Queria saber o que era. Interrogava-
-se, levantava hipóteses do que podia ser. Sentou-se
à mesa da cozinha, ficou a refletir, pensou em rezar.
Às primeiras avemarias, escutou o telefone tocar. Uma
voz baixa e triste de uma mulher lhe disse: “meu irmão
se foi. E, como você era muito amigo dele, lembrei-
-me de ligar a você.” Tudo isso lhe vinha à memória.
E o pavor era cada vez maior. Falava baixinho “meus
pais, meus pais”...
“Não sei por que as coisas que nos amedrontam
parecem imperceptíveis quando estamos com nossos
pais”, pensou Ramiro. O vento soprava, parecia-lhe
cada vez mais forte dando-lhe a impressão de que
a velha casa construída há mais de cinquenta anos
não aguentaria. Interrogou-se se poderia gritar para
espantar o horror. Pensou “estou sozinho, e as casas
vizinhas ficam no mínimo a dois quilômetros”, pois
morava em uma chácara. E, em um ato de desespero
berrou. Berrou como o pobre personagem Eurico o
presbítero - que se atirou em um ato insano contra um
exército sarraceno que o perseguira com o intuito de
como algo digno dos grandes heróis, ou como o silêncio
que prenuncia algo pior a acontecer.
Ouvia a chuva, e, de certa forma, começava a se
acostumar. Já o vento não soprava tão forte, e os raios
já não eram despejados com a mesma frequência.
Ramiro mirava o retrato de casamento de seus pais,
contemplava a face de ambos, sentindo a saudade dos
solitários ermitões. Relembrou da noite anterior em
que seus pais o aconselhavam para melhorar suas notas
escolares.
Num abrupto instante, escuta um estrondo –
como jamais ouvira antes -. Algo precedido de uma
imensa luminosidade que tolheu seus sentidos. Sentia-
-se como se estivesse gritando apavoradamente, tudo
brilhava ao seu lado. Sua visão não oferecia nitidez que
dá ligação do real, do lógico, ou do possível para nossas
mentes racionais. Era um sonho, um devaneio, talvez o
mesmo que sentiu Dante Alighieri quando viu tais céus
e infernos, como ele mesmo afirma ter visto com os
olhos humanos maravilhas e horribilidades que a mente
depois se esvai na tentativa de relembrá-las...
Tudo se distorcia. A porta já não estava no mesmo
plano em que se encontrava. Estava ela para ele
à distância, era como se estivesse bem distante, talvez
no horizonte, e sua magnitude era como se fosse
a porta celestial. Gritava ele, mas o som que saía
parecia aos seus ouvidos algo incompreensível, quase
inaudível; afinal ele nem sabia para quem gritar e o
que gritar. A porta se aproxima dele. Como algo que
vem automatamente, como a vida dos humanos, ou
como o movimento das máquinas. Não sentia suas
mãos, que aos seus olhos pareciam disformes, ora agigantadas,
ora minúsculas. Seu coração batia em um
ritmo descomunal, como se lhe fosse sair do peito. A
saudade batia juntamente com seu peito num frenesi
desvairado, galopava em sua frente sua fé com algo
que ele acreditava, mas há muito havia esquecido –
pela correria do seu quotidiano, ou pelo desleixo dos
afazeres fúteis -.
A porta se aproxima muito mais. Alguém saiu de
lá, não se apresentava nitidamente. Fecha-se a porta.
Abre-se novamente e mais alguém sai de lá. Ambos
revestidos de muito mais luz que o seu ambiente atual,
que já se encontrava aparentemente muito iluminado.
Ramiro agora, sente-se correr para a porta em
uma i-n-f-i-n-d-á-v-e-l correria, num caminho tranquilo
e já não tão assustador. Olha mais para as pessoas
que se aproximavam dele e, percebe-os um homem
e uma mulher. Chega mais perto. Suas pernas amolecem
e ele cai. Quando olha para perto de si observa
duas sandálias e logo mais duas e, ouve uma voz doce
e suave que diz em coro “meu filho”. 
(FIM)


(Do livro Devaneios em Prosa, UNICENTRO, (Lima, 2011, p. 71-79)).




(Marcio J. de Lima)

Texto publicado no Jornal Correio do Cidadão (Guarapuava):

https://www.correiodocidadao.com.br/noticia/uma-noite-solitaria

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