Tudo
certo estava para o jogo de futebol. Seria o melhor espetáculo
futebolístico dos últimos 30 anos.
Um time de um país pobre tornava-se a melhor seleção
de todos os continentes. Os olhos de seus jogadores, em tempos de
outrora, flamejaram o amor à pátria e ao esporte tão adorado.
Os jogadores de agora, carregavam nos ombros a
responsabilidade da tradição solidificada por guerreiros descalços
que chutavam uma bola, como se fosse esta, uma redonda esfera de
pedra ou aço.
Retornando ao espetáculo. E assim o explico: o jogo
aconteceria no domingo, e se enfrentariam duas seleções, a primeira
já descrita carregava a responsabilidade da tradição, a outra o
poderio investido por milhões de dólares e um fanatismo avultante,
primeiramente pelo amor à sua flâmula.
Um pobre menino conhecedor e artista do futebol, por
talento nato, acompanhava sempre pelos jornais velhos todas as
notícias que se referiam a futebol ,designaríamos ele como um jovem
mestre nas ruas, jogava como ninguém.
Nosso mestre, certo dia acompanhara o adversário de seu
time, e vira quão seria difícil a batalha. Imensos homens, como
guerreiros humilhavam seus adversários, deixando-os desmoronados
frente a tanto amor e devoção àquele esporte, ainda mais pelo fato
de representarem seu país.
O menino ficou desesperado; o desespero dos que amam; e,
à noite ao dormir clamou ao céu, e adormeceu.
O menino sonhou e em seu sonho um anjo a ele apareceu. O
anjo lhe falou: menino como ousa clamar aos céus por coisa tão
banal! Ele meio que atônito respondeu: "Quem é o Senhor, que
ousa em falar que o jogo do Zabril é banalidade?" O anjo mais
atônito ainda, admira a veemência da indagação do menino e fala.
"Eu sou um anjo e por acaso hoje seria meu dia de folga, e por
sua prece; sem muita nobreza; todo caso prece, fui designado para
tal missão..." O menino pensou um pouco e retorquiu, "o
problema não é só meu, é de todo um país, pois o time do meu
coração leva o nome da terra onde nasci, e a representa, mas apesar
de meu sofrimento pela minha falta de bens - pela minha pobreza - eu
a amo de coração e daria meu sangue por ela." O anjo tentando
convencer o menino que entendia de futebol e conhecia a seleção do
Zabril, argumentou: "Filho, esqueça os jogadores desta seleção;
já não pertencem a sua terra. Eles ao saírem dela deixaram seus
sonhos lá, e os trocaram por muito maiores ainda - que não cabem
mais em seus atuais viveres. Hoje eles falam outras línguas e não
mais a dos zabrileiros e nem fazem mais questão de praticá-la."
O menino não convencido, contra-argumenta: "Mas Senhor, como
ousa de fato, dizer isso de nossos jogadores?" Ainda não cabe
em sua cabeça de menino tudo aquilo de língua, outros países, pois
só conhece os arredores de sua casa e admira o resto do mundo pelos
olhos da tevê, sem entendê-lo muito bem na sua inocência de
criança... O anjo, insiste "Olhe bem, os jogadores ao chegarem
em outro país, mais rico que o seu, seus novos viveres com muito
dinheiro esvaem suas lembranças, colocando novos sonhos em suas
cabeças e suas lembranças de meninos, que viviam nas favelas, em
bairros pobres, e que um dia esperavam encontrar a felicidade no meio
dos seus, são apagadas... A primeira lembrança que é apagada é o
amor à pátria que os acolheu, embora pobres... livres. Mas o
argumento mais forte para que tudo isso seja apagado é eles se
reconhecerem de origem miserável e sem respeito, por passarem nas
ruas o pior de suas vidas... a não perspectiva de um amanhã
melhor." O menino mais enfurecido ainda suplica ao anjo: "Então,
se és anjo de verdade, põe-me em frente aos jogadores de minha
seleção, para que eu lhes diga algo que os encoraje a aceitar suas
origens, e para aqueles que não tiveram uma origem humilde,
lembrem-se do amor ao futebol desta nação, que sofre tanto, onde
muitos não tem o que comer, enquanto poucos têm bastante para umas
dez vidas... E, para que os que sofrem acreditem em um amanhã melhor
e lutem para isso... Como exemplo de uma seleção, que apesar de
representar uma país de fragilidade histórica, hoje fez-se uma das
melhores do mundo." O anjo, comovido disse: "Que assim
seja!"
Ao chegarem ao Zabril, os chamados estrangeiros, que
eram a maioria da seleção, encontraram na saída do aeroporto um
menino com olhar forte, de vestes humildes, e uma surrada bola de
futebol embaixo do braço... Com uma voz rouca, grita: "Amo o
Zabril, amo o futebol..." E ao atravessar a rua, em frente ao
aeroporto se desequilibra e cai do meio-fio e é surpreendido por um
carro que o atropela, o carro não estava em alta velocidade, todavia
ele bateu fortemente a nuca na queda. Um dos jogadores, compadece-se
da cena e chega bem perto do menino que o reconhece seu ídolo... E
em seu último suspiro, declama "Vocês serão campeões!"...
(Marcio J. de Lima - Julho/2001)
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