(Marcio J. de Lima)
No
poema/música em questão, Caetano Veloso trabalha com a temática indígena,
reatualizando alguns de seus aspectos histórico-mitológicos. A temática, do
indígena tratado como herói; símbolo de uma nação que por muito tempo esteve
subjugada a um domínio de colonização; esteve presente durante o Arcadismo
brasileiro, retomado pelos escritores românticos e reafirmada pelos
modernistas. Ao reatualizar esse tema, Caetano provê, poeticamente falando,
este herói de alguns recursos tecnológicos, mas que supera os advindos das
descobertas da ciência moderna, dando-lhe características fantásticas, típicas
dos heróis mitológicos.
Também
ainda, nesse poema, Veloso situa a qual nação indígena refere-se a aparição
desse ser heróico-mitológico, os do coração do hemisfério sul, na América (do
Sul) em um ponto equidistante entre os oceanos Atlântico o Pacífico. A
referência temporal não é em qualquer momento, é em um claro instante, logo
após exterminada a última nação indígena. Podendo-se assim inferir que seria em
um momento de luz, esclarecedor. No entanto, poderia ser relativo ao do
extermínio físico dos indígenas ou pela miscigenação dos mesmos e do
desaparecimento de suas características culturais. Enfatizando para o fato do
possível extermínio desses povos, bem como de sua cultura. E, a luta desigual
para permanência dessas nações coabitando com a dita “civilização”.
Há
ainda, uma intertextualidade às escrituras bíblicas, em que há a relação ao
messias que voltará no fim dos tempos. Esse voltar, relativo ao índio, poderia
ter talvez a relação com o próprio Cristo, o qual àquele adquire sua
semelhança, que se compadece com os mais fracos, com os explorados, com os
dizimados pela exploração ou expropriação de suas terras e ou riquezas. Essa
ideia é reforçada na parte em que Caetano Veloso diz “virá que eu vi”. Veloso,
pelo seu eu-lírico, assume um papel do profeta, que vê algo grandioso acontecer
antes do seu tempo. Isso tudo, pode ser reforçado pelas predições do personagem
Peri, herói do livro Iracema de José de Alencar, citado na música, quando
afirma: “ — Tu viverás!... Cecília
abriu os olhos, e vendo seu amigo junto dela, ouvindo ainda suas palavras,
sentiu o enlevo que deve ser o gozo da vida eterna.” (Alencar, 1857)
Retomando
a temática, o índio como herói. Isso aconteceu muito quando de nossa história,
nos momentos relativos à busca pela identidade do povo brasileiro, em que a
“criação” literária desse herói representasse esse povo e sua força
identitária. Isso é retomado no poema de Caetano, quando citou Peri, o qual
possui habilidades sobre-humanas da força, proximidade com Deus (Cristão),
lealdade ao seu amor Ceci (amada Europeia, filha de D. Antônio Mariz) e o poder
de conversar e interagir com natureza, reatualizando por esses aspectos o
mito do herói nacional brasileiro.
Caetano
Veloso ressalta quais são as características desse herói de nossos dias, de fim
de século XX sendo: impávido, tranquilo, apaixonado por seus ideais e que
buscará a paz.
Assim,
Caetano conclui em seu poema que este herói esteve sempre presente, nunca
desapareceu e sua presença é óbvia, podendo-se concluir que o mesmo vive em nós
através da miscigenação, da aculturação com outros povos ou nações, entre eles
o negro, quando cita os termos “afoxé, axé” palavras de origem africana. Essa
mistura racial, tornou o povo brasileiro apaixonado pela natureza e suas
belezas, tanto cantadas por nossos poetas, bem como de seu “poder” de superar
todas as forças que poderiam dissuadir um pensamento nacional, no qual o
indígena sempre, para nós brasileiros, será uma forte referência de nossa
nacionalidade.
Imagem obtida em: https://pixabay.com/photos/night-photograph-flashlight-ray-2183637/
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