segunda-feira, 23 de março de 2020

às vezes precisamos parar


às vezes precisamos parar. às vezes precisamos de nós mesmos, de nossos familiares, de nossos brinquedos e móveis tão frios a nos esperar. precisamos de Deus no silêncio de nosso quarto, na penitência tão nossa do respeito ao outro. precisamos, quando tão sós, de um livro antigo, quase empoeirado, quase embolorado, quase esquecido na estante, há muito tempo visitado... precisamos dos desconcertos com aqueles nos rodeiam, alguns desentendimentos, algumas constatações de nossos defeitinhos tão recônditos, postos à nossa frente. precisamos do respirar de nossos pets, do solitário sentar e ouvir uma música na garagem dentro do carro... às vezes precisamos, mesmo que a vida nos imponha, fazer uma pausa, de pensar nela, de pensar no outro e descobrir o quanto o outro sou eu... precisamos um pouco de responsabilidade em pensar que parar também é manter um movimento, mas de forma um pouco diferente... parar, com todo movimento contido em nossos corpos – difícil – mas essencial em momento tão congelante – como o parar estático da bela dama frente ao seu amante... como embalam os pés! quando precisamos que fiquem colados em frente ao espelho, longe de nosso passado, longe de tantos conselhos. ah, como é difícil neste momento a ilusão de poder andar nas ruas, a abraçar os amigos, os parentes, nossas ocupações, nossa nação... parar... ato tão difícil quando a vida pede para seguir. no entanto, parar não quer dizer esvaziar-se, parar quer dizer olhar para quem está perto e amá-lo mais ainda, é fazer vida onde se escondem as figuras pintadas em nossos computadores, nas fotos dispostas nas mesas engolindo nossas dores... das lembranças de como era importante a tarde na praça, o tomar um sorvete em uma sorveteria qualquer... o tocar dos lábios do homem nos de sua mulher, as conversas tão próximas, nossos desertos... hoje, aqui, eu, meus livros e parte de minha família... olhando ao lado, a fria mobília... as séries tão repetidas da netflix... fico aqui rezando, esperando, com minhas mãos desgastadas de álcool em gel, perdido em montes de papel... quiçá fique aqui, e espero que não seja para olhar de longe o solitário, e velha figura, que atende por noel... espero que a todos o bom Homem que reina no céu, a todos olhe com um pouco de piedade, por que aqui nós, estamos a aprender que o respeito às nossas limitações é algo que ainda não aprendemos... mas, olhando a mim mesmo, vejo que o outro sou eu... e eu me cuidando, eu cuido do outro... e se eu nada aprender neste silêncio que impera nas ruas, não terá valido a pena cada dor, cada silêncio, cada distância de quem amamos, cada ato de consumo consciente, a partilha com quem padece, as orações dedicadas, o respeito, a criatividade, cada página de livro lido, cada mágoa esquecida, cada beijo e abraço não dados... não terá valido nada... porque seguir é preciso, mas nesta hora, só nesta hora, parar é fundamental...

marcio lima – guarapuava – 22/03/2020.

Imagem obtida em: https://image.freepik.com/fotos-gratis/triste-mulher-asiatica-adulta-olhando-pela-janela-e-pensando-jovem-estressada-e-deprimida_33867-680.jpg

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