Nasci em uma casa pequenina
De arrancar as paredes para entrar a cama
Nasci assim, de poucas moedas, rica sina,
Na discrição, honesto, trabalhador, sem fama....
Cresci em uma família de amor e carinho,
De pai deixar seu café com pão
Para comerem, a esposa e seu filhinho,
Pouco dinheiro, muito coração...
Cresci nas ruas, nos carreiros, nas cabanas,
Nos campinhos de várzea a jogar bola,
Comendo do pé, laranja, caqui, bananas,
Com palavras, que, cada, sua dor, consola...
Tive a graça de brincar de catar latinhas,
De passar os fios elétricos nos canos,
Puxar massa, jogar telhas, esticar linhas,
De ajudar a mãe, passar na casa, panos...
Pintei paredes, escrevi poemas, decorei conjunções,
Lavrei autos, aprendi línguas, aprendi o beabá...
Gritei por ordem, para organizar multidões,
Para manter os irmãos, filhos cuidados, brinquei de babá...
Fui ontem e hoje, o amanhã, fiz eles tão iguais,
Brinquei com o tempo, vírgulas, travessões, enredos,
Sofri dores tão minhas, de outrem e dos animais,
Para seguir, precisei acabar com meus medos...
Já tirei quase zero em redação, quase 10 em matemática,
Demorei para aprender a nadar, bem falar, dançar...
Ia até bem nos nove vezes fora, mas péssimo na gramática,
Mas, sabia que para ser bem entendido, precisava suar...
Já joguei no gol, arrepiava no ping-pong e no bets
Tomei Teen, leite, suco de azedinha, ninho com chocolate,
Já lavei a alma, pratos, calçadas, a consciência, carpetes,
Senti medo, do trovão, da form’estranha que o cão late...
Já estive no palco, mal cantando, mal falando, mal conduzindo
Já estive nos rios, buscando pneus usados para vendê-los,
Vi neste ato, minha consciência ecológica fluindo...
E com o passar do tempo, entendi esses zelos...
Ah, com o tempo todos os rostos começam a ser tão iguais,
Os discursos já parecem ter sido ditos, parafraseados,
Aquilo que ontem era tão pouco, hoje parece demais...
Ontem, hoje, amanhã... pneus que não conseguem ser
freados...
(Marcio de Lima – Guarapuava, PR, 06 jul 2021.).
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