Então, vamos ao que tenho que contar... Era numa tarde de quinta-feira da semana santa, compadre Beraldino, homem bravo domador de cavalo, não de muita corpulência, mas de uma força sem igual, de peleja dura, mão calejada que nem que eu, me convidou pra ir à Chácara dele, para mor de conhecê-la e ver o que tinha feito por lá. Em um momento meu cumpadi ficou meio que amuado, disfarçado, como alguém que tem uma coisa muito importante pra contar... Eu que sou homem vivido, que já vi muita coisa nessa vida, saquei em um momento que era batata o que compadi tinha a me assuntar.
E, pela expressão dele não era pouca coisa não. Num repente ele me confessou que tinha conseguido domar um Boitatá... E eu precisava ajudá-lo com a fera... por saber de minhas empreitadas com a besta. Mas confesso que nesses assuntos de domar o danado eu não era muito bom. A curiosidade acendeu...
Um silêncio caiu juntinho c'a noite. Confesso que por já ter enfrentado o dito e não ter obtido êxito, fiquei fã de meu cumpádi. Ele, como homem que já sofreu muito – ao meu ver – silenciou como que já abatido pelo ocorrido... E, eu continuei...
- Ora cumpádi, este bicho me surpreendeu quando eu trabaiava à noite numa serraria, como vigia. Era eu e mais outro amigo de profissão que tinha que aluitar a noite inteira espantando a assombração com medo que ele incendiasse toda madeirama lá guardada. Te conto, era uma cobra de fogo que pilampeava serpenteando uns quatrocentos metros para cima e vinha mais ou menos uns sessenta metros de onde nóis tava.
(Pausa... o locutor olhava ao longe tentando lembrar o que ocorreu com olhar assustado meio que ofegante, continuou)
- Cumpádi, vampiro se mata com estaca de madeira no coração. Lobisomem com bala de prata, também no coração... Mas Boitatá não... meu filho pesquisou, disse que na nossa história ele foi já visto desd'o descobrimento do Brasil pelo Padre Anchieta e vem assombrando até hoje... sem que se descobrisse um jeito de acabar com o dito cujo – Boitatá. Mas, creio que pelo que venho assuntando com o povo... deve ser com muita força e fé que se derrota esse bicho... Mesmo que muitos digam que ele tem até serventia, que é proteger as florestas... era o que desconfiava quando cuidava da serraria, até achava que era castigo... mas na verdade – não sei bem!
(Pausa)
- Mas, como tava falando – por isso que te invejo meu cumpádi!
E a conversa rolou mais umas duas horas sobre a temida assombração... O narrador, continuou...
- Numa das empreitadas, meu amigo de trabalho tinha me contado que um amigo dele tinha capturado um Boitatá. Amarrado ele se debateu a noite inteira. No dia seguinte era um homem, assim que nem que nós... de carne e osso. Muita vergonha ele ficou, achando que era uma armação, descobriu que se tratava de um amante de uma cumádi com o cumpádi dela... É, dizem que tem Boitatá que nasce daí... se não me engano... não me alembro bem...
Houve muito riso nesse momento. Quebrando-se um pouco da tensão.
Pensei: “Se meu cumpádi me convidou para conhecer ele, então homem que não havia de ser aquele Boitatá...”
O sábado chegou... Convidei cumpádi Gaudôncio e meu afilhado, já quase hominho, para ir junto à chácara. Lógico não falei nada pra eles. Queria ver a cara deles quando vissem o Boitatá, pois sempre duvidaram de minhas histórias... Só não tinha bem certeza se era da mesma forma que eles conheciam. Uma cobra de fogo. Mas acho que de dia não ia aparecer muito bem o fogo...
Chegamos lá. Compadre Beraldino estava laçando. Víamos de longe o campo em que era praticado o tiro de laço... Compadre Beraldino nos enxergou e se dirigiu a cavalo nos receber na porteira, faceiro que ficou. Comentou da laçada, perguntou se lançávamos, e todos dissemos que não. Sem cerimônia, nos perguntou se tínhamos vindo para passar a noite por lá para pescaria e pra roda de pinhão com chimarrão e uma fritada de tilápia no disco e reforçou o convite pra gente pernoitar por lá... Tínhamos preparado o básico para passar a noite por lá... porque não estávamos muito convictos que passaríamos a noite na chácara... Mas pra pescaria estava todo material preparado... sempre carregava minha caixa de pesca no carro...
Depois de um dia bem agitado no campo a noite principiava... Cumpádi Beraldino se lembrou do bicho. Como que uma certa preocupação assolou-o.
- Ah cumpádi – falou ele. Espero que vocês não tenham medo. São homens vividos, o teu guri cumpádi já se recolheu, restando só nós adulto por aqui. Agora posso apresentar a vocês meu Boitatá. Olhou-nos com olhar de uma certa malícia... talvez por exibir sua vaidade...
Compadre Gaudôncio não entendeu muito o que estava ocorrendo, pois eu não havia comentado... Riu discretamente. Mas não falou nada, achando que se tratava de uma brincadeira... Confesso, eu estava um pouco ansioso e só. Não tava muito espantado, pois conhecia a ousadia do cumpádi... e ele chamou...
- Vem cá Tatá!
Já tinha dado até nome pro bicho que coragem manter um certo afeto pela assombração, tinha domado muito bem ela.
Meu coração gelou. No meio da mata escura só vi dois olhos muito brilhantes e arregalados a se mexerem em nossa direção. Não sabia se aguentaria... Mas fiquei ali firme. Não olhei para os meus compadres. Só mirava, arrepiado, a mata. Minha história correu frente aos meus olhos. Quanta luta travada com aquela figura lendária – para muitos que não a conhecia como eu. E agora ela estava ali na minha frente. Domada, mas não sei se menos perigosa...
Eis que se aproxima fazendo um certo barulho na mata. Vejo dois pares de chifres, como narrado por alguns povos indígenas, o que o tornava mais assustador ainda. Imaginei neste momento como o minotauro... Como explicava esses dias na tevê – metade homem metade touro... Era só imaginação esta figura – lógico que não era assim... Se tratava do Boitatá. É realmente tinha cabeça de vaca ou de touro, sei lá, só sei que tinha uma mancha branca muito luminosa no centro da cabeça em forma de nuvem. Tonto, tentei falar... Mas não consegui. O tempo não passava, parecia tudo congelado. O que demorava quase uma eternidade ocorrer o que ocorreu... Mas aconteceu... Saiu da mata um boi. Sim era um boi! Corpulento, se aproxima de compadre Beraldino, que põe sua mão sobre ele e ele para.
Balançando a cabeça em sinal de aprovação penso: “ realmente, dessa forma ainda eu não tinha ouvido falar do Boitatá se manifestar quando domado – aliás é a primeira vez que ouço falar nisso.”
Compadre Beraldino, um forte, fez um bom trabalho! Podia ver no olho da fera seu fogo preso ali e esse com certeza não mais apavoraria ninguém.
Excelente conto.
ResponderExcluirMas o BOITATÁ foi descoberto! Pena!
Hehehe. Bem assim. Um abraço amiga!
Excluir