Há um homem caído no chão. Quem se
importa? Bala ao peito. Sangue pintando a calçada. Um sonho
estendido no chão, uma esperança... Em casa filhos riem inocentes.
Um sonho desenha no piso sua silhueta. Mas quem se importa? Todos
passam apressados, resignam-se com a lentidão do trânsito, com a
ignóbil figura, raquítica, de mãos encouraçadas, de mochilas nas
costas, com sua térmica quebrada, marmita com um resto de comida
dando nojo nos transeuntes. Envergonha-lhes. O ônibus vomita
pessoas... Aos chutes o corpo anda. Que culpa tinha este cristão?
Todos atônitos com seus anseios bradam “liberem a rua!” ”já é
hora de minha novela.” “Logo começa o jornal.” Todos seguem...
A chuva cai e lava o sangue... Lava a discreta cal que ainda permeia
nas mãos de nosso pitoresco herói. O corpo está só. Jogado à
rua em frente à igreja. Ouvem-se primeiras cantigas cantadas pelas
beatinhas, pontualíssimas às sete horas da noite... O sino toca...
A plateia canta animada o canto de acolhida. Uma criança desobedece
a mãe e sai correndo na chuva levando em suas pequeninas mãos um
cartãozinho com o retrato de Nossa Senhora do Guadalupe. Ela para
tristemente em frente àquele moribundo corpo, deposita em suas mãos
a santinha. A mãe preocupada com a filha, dissipa-lhe qualquer
vestígio de realidade, grita quase que desesperada agarrando a mão
da pequenina “venha aqui filha o titio já sara!” A criança
olhando para trás joga um singelo beijo àquela figura. A celebração
continua calorosa.
(Marcio J. de Lima) 02/05/2011
A frieza e indiferença humanas (desumanas) são estarrecedoras.
ResponderExcluirCom certeza Sergio. Quisera fosse um retrato somente ficcional, todavia a arte imita a vida ou vice-versa, caindo em um clichê clássico para ilustrar a frieza que ronda nossos dias. Obrigado pela participação e contribuição. Um forte abraço!
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