domingo, 23 de outubro de 2011

O ATO DE ESCREVER

Eu por muito tempo fui ligado mais na leitura de mundo do que na leitura  de livros, revistas, 
jornais, achava que para mim  era um exercício  muito desgastante. Na verdade, penso que era
preguiça mesmo. Um dia  comecei a escrever. Era um ato egoísta. Gostava de escrever, todavia, não
tinha paciência de ouvir/ler outros. Veja só. A prática da escrita faz nascer no indivíduo o hábito da
leitura (pelo menos foi assim para mim), assim como para muitos o hábito da leitura faz nascer o
hábito da escrita. Aprendi isso, meio que à força. Você começa a escrever, faltam palavras, faltam
argumentos, falta conhecimento de causa etc. Daí vêm o dicionário e a gramática, que ajuda a
conhecer novas palavras, grafias, faz-se a adequação das palavras ouvidas no dia a dia etc. Vem o
ouvido atento, que teima em tentar ouvir as conversas alheias buscando um mote para escrita. Vem
a leitura do jornal. E dá-lhe busca na vida alheia, nos pensamentos alheios para o
autoconhecimento,  autoafirmação, criação de estilo próprio (conheço o outro e vejo-o como o
outro, esse não sou eu, então quem sou?).
Parece um ato insano. Foi assim que me senti quando comecei a perceber que escrever é um ato
muito desgastante, faz você se sentir como se fosse um ser perdido. Pois o indivíduo pega-se
falando pelos cantos, observando a vida de outrem para atear fogo à imaginação. Abaixa-se para ver
um pouco melhor a flor encoberta de pó que teima em habitar a beira da estrada (sua beleza está lá, 
escondida, mas está). Tenta sentir a tristeza de alguém, mesmo que não o interrogue, sabe-a,
imagina-a, sente-a como se pudesse fazer compreender o imenso vazio que habita o seu ser. As
letras, as palavras, as sentenças, os parágrafos, enfim os textos começam a incomodar. Então, o
papel pede para ser refúgio teimando em ser abrigo de um desabafo qualquer - quanta felicidade
estou livre – e a obra toma corpo, encarnece-se, faz-se coerente (pelo menos pretende-se assim)
busca ser bela, despertar a beleza, encantar (às vezes quem escreve se encanta mais com a obra do
que realmente ela poderia encantar) – mas é sua menina querida – cuida-a, venera-a, até sente
saudade dela quando fisicamente se distancia.
Enfim, para mim escrever se tornou um exercício necessário – ajudou a me entender (mesmo sendo
isso deverasmente difícil) mas acho que eu me entendo um pouco mais – gosto de escrever, e, já
não sou tão egoísta (leio outros escritores, escuto outros escritores e reparto um pouco do que
escrevo) e acho que isso está me fazendo bem, pois tenho encontrado o prazer em viagens que antes
eu não imaginava e às vezes trago comigo amigos que antes eu os tinha tão distantes e o exercício
que era solitário às vezes é feito à companhia de muitos – e isso me faz feliz porque o homem
nasceu para ser feliz – e é quase impossível sê-lo sozinho – e as novas leituras de mundo ficam mais
inteligíveis porque as pessoas me ajudam a desofuscar aquilo que antes me parecia tão obscuro.

(Marcio J. de Lima)

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