segunda-feira, 4 de maio de 2020

O ENGRAXATE

       

                                    Todos os dias uma pequena frase.

                                _Quer engraxar? Senhor!

                                Todos os dias no mesmo horário e na mesma esquina.
                                _Quer engraxar? Senhor!                                                   _Não obrigado eu não posso perder tempo.

                                    E logo que eu passava, lá ficava o garoto a me olhar, admirando os meus sapatos novos, a minha gravata, e eu me visto bem, pois sou empresário, tenho indústrias, pessoas sob meu comando e não possuo tempo para engraxar meus sapatos e ainda porque eu troco de pares novos todos os dias, apenas é que são do mesmo modelo.

                                 _Quer engraxar? Senhor! Não precisa pagar se quiser.                                            
                                     _Está bem! Garoto hoje eu farei isto para satisfazer a minha curiosidade.
                                     E o garoto todo eufórico pôs-se ao trabalho sempre sorrindo. Então iniciei um diálogo.
                                     _Pirralho, porque você sempre insistiu em engraxar meus sapatos?
                                    _Sabe doutor; é que eu acho teus sapatos  muito bonitos e sempre tive vontade de tocar neles.
                                 _Mas, por quê?
                                 _É que sou muito pobre, e nunca tive um par de sapatos.
                                 _E seus pais?
                                 _Não tenho os tenho mais, vivo sozinho num barraco.

                                      Falou-me isto apontando com a mão para o alto da ladeira. Fiquei impressionado e saí dali com pena dele e passei a ter um sentimento diferente, eu comecei a imaginar o quanto este garoto é diferente e especial se posso assim dizer, ele tocou meu coração e compreendo agora o quanto fui egoísta ao só me preocupar com negócios de minhas empresas e não notava as pequenas coisas da vida ao meu redor, e martelava em minha cabeça as frases ditas pelo garoto “querer tocar em meus sapatos, só por acharem eles bonitos.”

                                   _Quer engraxar? Senhor!
                                       _Olá garoto! Quero e hoje vamos ter uma conversa a mais; eu gostaria de saber o que você mais gostaria de ganhar de mim; dinheiro, roupas novas, enfim; o que você mais deseja me peça e te darei.
                                    _O doutor está brincando!
                                    _não eu falo sério, peça o que quiser e te darei.
                                            _Quer dizer que posso mesmo pedir o que quiser. Pensou um pouco, como se tivesse com receio de pedir o que para ele seria o seu sonho maior e meio gaguejando, diz.
                                        _Um pa...pa..par de as...sapa...tos, iguais aos seus e da mesma cor.
                                         _Ora garoto, isto? Falou o homem indignado.
                                          _Se o senhor não quiser me dar está bem...
                                               _Não que eu queira lhe dar, não é isso, apenas fiquei atônito com tal pedido, você teve chance de me pedir coisa maior e, no entanto, isto é o que quer.
                                           _O senhor acha isto pouco! É tudo o que mais sonhei, o que mais quero é ter um par de sapatos iguais aos teus.
                                            _Está bem! Aqui está o dinheiro e amanhã quero ver você de sapatos novos neste mesmo horário e local,
                                                 Naquela noite não consegui dormir, pensando no guri, pensava em como o convencer a morar comigo, pois eu não possuo família ainda, e vivo solitário, e penso que poderia adotar este menino, e será o que farei amanhã, vou convidar ele para vir comigo.
                                                  Cinco horas da tarde, o garoto ainda não chegou, quero vê-lo com os sapatos novos, sentir sua alegria e então farei a grande surpresa ao convidar para morar comigo, vamos jantar juntos e depois vou levar ele em todas as lojas e comprar roupas e tudo quanto ele quiser, acho que estou amando este pirralho, mas porque não está aqui? Vou perguntar ao homem do bar.
                                             _O senhor viu aquele engraxate, que sempre faz ponto por aqui todos os dias?
                                             _Lá vem ele doutor! Apontou o homem para a ladeira.
Desciam da ladeira um grupo de pessoas, eu não  queria acreditar no que meu coração teimoso tentava me dizer, mas meus olhos viam que um caixão  de madeira, cor preto, pobre, estava sendo carregado pelas poucas pessoas e em cima do caixão a caixa de engraxar e passando por mim perguntei a uma senhora de cor e gorda, muito simpática, porém simples.
                                              _O que aconteceu?
                                                   _Foi um carro! Moço, que o atropelou quando chegava ontem à tarde com um embrulho debaixo do braço, atravessou correndo a rua, ele estava tão alegre, vinha gritando pela rua, dizendo “eu sou feliz! Sou muito feliz! E agitava o embrulho enquanto corria”.

                                                  Atônito, segui atrás do pequeno funeral e quando chegaram ao cemitério, abriram o ataúde, era ele mesmo e os seus pés estavam calçando os sapatos novos iguais aos meus, comecei a gritar e agarrei-o pelo ombro e gritava! Gritava!
                                                   Pedia para ele sair dali, _saia meu pequeno amigo! Mas ele não se movia, apenas eu via um enorme sorriso em seu semblante, cansei de gritar e quando todos foram embora sem conseguirem entender nada.
                                                       Eu fiquei ali parado olhando aquele amontoado de terra e uma singela cruz de madeira, e lágrimas teimosas escorriam pelo meu rosto e pensando em todo o ocorrido dos últimos dias.
                                                   Apenas me conforto em saber que pude amar alguém, mesmo que por muito pouco tempo e quando virei para ir embora, parecendo que tudo estava perdido, tive um sobressalto foi o que me pareceu ter ouvido uma voz que saiu daquele amontoado de terra.

                                               _ Quer engraxar! Pai.

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* Texto de: J. Fátimo.
* O Blog agradece ao escritor por ter cedido gentilmente seu texto para publicação.
* Imagem: Freepik.

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