sábado, 6 de dezembro de 2014

O dia do nada


O dia do nada foi quando aconteceu um tudo possível. No dia do nada foi decretado que nada seria feito. E como a música do Raul.
Ela sentou-se em sua poltrona e lá ficou tentando fazer um nada permitido. Fechou os olhos para não ver um nada. Percebeu escuridão sem fim e lembrou que perceber algo fugira do decreto do nada.
Sentiu uma dorzinha no rim esquerdo, pensou que teria que ir ao médico. E o decreto do nada mais uma vez foi violado. Poderia dormir então, mas ainda assim faria algo e não faria um nada.
Lembrou-se estupefata que se era o dia do nada, ninguém faria nada e portanto ninguém poderia verificar se todos fariam um nada. Quem verificaria se ela estava pensando, dormindo, caminhando, lendo?
Percebeu que no dia do nada, ela secretamente poderia fazer tudo. Coçou seu nariz, abriu seus olhos, caminhou em seu quarto nas pontas dos pés, perseguindo com seus olhos uma pequena aranha no teto, brincou com os dedos das mãos, pensou na vida, pensou na morte, cansou, pensou na luz do dia, no sol que provavelmente fazia lá fora, com os sentidos revoltos pode sentir o aroma de café, de flores ao vento, o cheiro do mar. No dia do nada, ela descobriu, que nem tudo poderia fazer.
Não poderia espiar a vida lá fora, não veria o por do sol, não poderia sentir os abraços e muito menos os beijos na face.
No dia do nada ela lembrou-se de sua solidão, de seus segredos mais soturnos, de sua figura humana insignificante, de seus momentos humilhantes, da sua busca por perfeição, do ser desprezível que era... Uma mulher-nada.


Jaqueline de Andrade Borges





3 comentários:

Testa franzida

Todo dia mamãe pergunta no que trabalho. Digo a ela que escrevo. Ela pergunta de novo, com a testa franzida e um tom mais jeito de mãe de se...