sábado, 7 de junho de 2014

Uma questão de amor ao futebol


Tudo certo estava para o jogo de futebol. Seria o melhor espetáculo futebolístico dos últimos 30 anos.
Um time de um país pobre tornava-se a melhor seleção de todos os continentes. Os olhos de seus jogadores, em tempos de outrora, flamejaram o amor à pátria e ao esporte tão adorado.
Os jogadores de agora, carregavam nos ombros a responsabilidade da tradição solidificada por guerreiros descalços que chutavam uma bola, como se fosse esta, uma redonda esfera de pedra ou aço.
Retornando ao espetáculo. E assim o explico: o jogo aconteceria no domingo, e se enfrentariam duas seleções, a primeira já descrita carregava a responsabilidade da tradição, a outra o poderio investido por milhões de dólares e um fanatismo avultante, primeiramente pelo amor à sua flâmula.
Um pobre menino conhecedor e artista do futebol, por talento nato, acompanhava sempre pelos jornais velhos todas as notícias que se referiam a futebol ,designaríamos ele como um jovem mestre nas ruas, jogava como ninguém.
Nosso mestre, certo dia acompanhara o adversário de seu time, e vira quão seria difícil a batalha. Imensos homens, como guerreiros humilhavam seus adversários, deixando-os desmoronados frente a tanto amor e devoção àquele esporte, ainda mais pelo fato de representarem seu país.
O menino ficou desesperado; o desespero dos que amam; e, à noite ao dormir clamou ao céu, e adormeceu.
O menino sonhou e em seu sonho um anjo a ele apareceu. O anjo lhe falou: menino como ousa clamar aos céus por coisa tão banal! Ele meio que atônito respondeu: "Quem é o Senhor, que ousa em falar que o jogo do Zabril é banalidade?" O anjo mais atônito ainda, admira a veemência da indagação do menino e fala. "Eu sou um anjo e por acaso hoje seria meu dia de folga, e por sua prece; sem muita nobreza; todo caso prece, fui designado para tal missão..." O menino pensou um pouco e retorquiu, "o problema não é só meu, é de todo um país, pois o time do meu coração leva o nome da terra onde nasci, e a representa, mas apesar de meu sofrimento pela minha falta de bens - pela minha pobreza - eu a amo de coração e daria meu sangue por ela." O anjo tentando convencer o menino que entendia de futebol e conhecia a seleção do Zabril, argumentou: "Filho, esqueça os jogadores desta seleção; já não pertencem a sua terra. Eles ao saírem dela deixaram seus sonhos lá, e os trocaram por muito maiores ainda - que não cabem mais em seus atuais viveres. Hoje eles falam outras línguas e não mais a dos zabrileiros e nem fazem mais questão de praticá-la." O menino não convencido, contra-argumenta: "Mas Senhor, como ousa de fato, dizer isso de nossos jogadores?" Ainda não cabe em sua cabeça de menino tudo aquilo de língua, outros países, pois só conhece os arredores de sua casa e admira o resto do mundo pelos olhos da tevê, sem entendê-lo muito bem na sua inocência de criança... O anjo, insiste "Olhe bem, os jogadores ao chegarem em outro país, mais rico que o seu, seus novos viveres com muito dinheiro esvaem suas lembranças, colocando novos sonhos em suas cabeças e suas lembranças de meninos, que viviam nas favelas, em bairros pobres, e que um dia esperavam encontrar a felicidade no meio dos seus, são apagadas... A primeira lembrança que é apagada é o amor à pátria que os acolheu, embora pobres... livres. Mas o argumento mais forte para que tudo isso seja apagado é eles se reconhecerem de origem miserável e sem respeito, por passarem nas ruas o pior de suas vidas... a não perspectiva de um amanhã melhor." O menino mais enfurecido ainda suplica ao anjo: "Então, se és anjo de verdade, põe-me em frente aos jogadores de minha seleção, para que eu lhes diga algo que os encoraje a aceitar suas origens, e para aqueles que não tiveram uma origem humilde, lembrem-se do amor ao futebol desta nação, que sofre tanto, onde muitos não tem o que comer, enquanto poucos têm bastante para umas dez vidas... E, para que os que sofrem acreditem em um amanhã melhor e lutem para isso... Como exemplo de uma seleção, que apesar de representar uma país de fragilidade histórica, hoje fez-se uma das melhores do mundo." O anjo, comovido disse: "Que assim seja!"
Ao chegarem ao Zabril, os chamados estrangeiros, que eram a maioria da seleção, encontraram na saída do aeroporto um menino com olhar forte, de vestes humildes, e uma surrada bola de futebol embaixo do braço... Com uma voz rouca, grita: "Amo o Zabril, amo o futebol..." E ao atravessar a rua, em frente ao aeroporto se desequilibra e cai do meio-fio e é surpreendido por um carro que o atropela, o carro não estava em alta velocidade, todavia ele bateu fortemente a nuca na queda. Um dos jogadores, compadece-se da cena e chega bem perto do menino que o reconhece seu ídolo... E em seu último suspiro, declama "Vocês serão campeões!"...

(Marcio J. de Lima - Julho/2001)

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